terça-feira, 22 de outubro de 2013

Reconhecendo neonazistas: a ferida aberta na Alemanha moderna e as situações de perigo que podem ser evitadas

Dresden: visto da prefeitura, o centro da cidade que ficou 90% destruído*

Se Nazismo é um assunto tabu na Alemanha, neonazismo é um que precisa ser tratado. Em especial nas cidades da ex-Alemanha Oriental, mas não exclusivamente nelas. As manifestações que fazem referência ao Nacional Socialismo de Hitler são quase todas proibidas. Mas os novos adeptos dos movimentos de ultra direita não fazem exatamente questão de se esconder.

É só olhar para o polêmico Partido Nacional Democrata Alemão (NPD), que é radicalmente contra todo e qualquer não-alemão, entre outras causas. Os nacionais democratas fizeram uma série de barbaridades nas últimas eleições: mandaram camisinhas para estrangeiros e passagens de volta pra casa para candidatos com background multicultural. Há quem defenda a existência do partido: afinal, assim, os neonazistas são mais facilmente identificáveis. Eu tenho lá minhas dúvidas: acho que dar espaço e palanque para qualquer tipo de plataforma que pregue ódio e intolerância não faz muito sentido.

Outro exemplo é Dresden, a bela capital da Saxônia, que é anualmente palco de um confronto entre os militantes de extrema-direita e as pessoas que lutam por uma Alemanha mais justa. Cerca de cinco mil manifestantes viajam do país inteiro para uma marcha que lembra o bombardeio da cidade, em 13 de fevereiro de 1945, após a rendição da Alemanha. O desnecessário despejo de bombas matou 25 mil pessoas, conforme relatos oficiais da prefeitura, embora grupos ativistas apontem para meio milhão de mortos, em sua maioria mulheres e crianças. Números a parte, vale dizer que os neonazistas ocupam a cidade com sua lista de reivindicações supremacistas.

Em grupos, esses militantes de extrema direita são mais perigosos. Recentemente, atacaram um hostel onde estavam hospedados estudantes e feriram gravemente um menino descendente de chineses. Um caso de maior proporção chocou a Alemanha, com a descoberta de um trio de matadores que assassinou imigrantes em todo o país. Mas nem todos os casos de violência chegam a mídia e estudantes estrangeiros colecionam histórias que são passadas a cada nova leva de calouros que chegam as principais cidades universitárias.

Experiências difíceis

Amigos meus não saem das festas andando em Leipzig: preferem ir de bicicleta para não dar chance ao azar em uma eventual topada com neonazis no caminho. Em Weimar, estudantes latinos foram espancados na saída de um bar há alguns anos. Eu mesma já passei por uma situação ruim, embora sem maiores danos. Acompanhada do meu marido, ao atender o telefone em inglês, dentro de um ônibus, uma pessoa de uns 40 e alguns anos começou a nos agredir verbalmente, nos mandando voltar para os Estados Unidos. Ok: errou feio, mas isso não muda o motivo. Na hora, levei uns minutos pra perceber que era conosco. Fiquei tão chocada com a ação que só consegui berrar uns palavrões e fazer um gesto feio com a mão. Ninguém em volta fez ou falou qualquer coisa.

Já me perguntaram se é a Alemanha é realmente perigosa para estrangeiros. No geral, acho que não. Casos isolados não podem comprometer o esforço de um país inteiro em mudar sua imagem e fazer o mea culpa de um período de horrores. Mas é melhor ficar de olho e, caso cruzar com alguém assim na rua, manter a devida distância para evitar confusão. Claro que não se pode generalizar estilo e aparência, mas se as duas coisas vieram somadas, vale a pena sair de perto.

Como reconhecer os neonazistas

Coturnos pesados, jeans e camisetas pretas (ou às vezes brancas) são o uniforme. Muitos são carecas – mas nem todos os carecas são nazis: alemães ficam calvos cedo e você vai ver muitas cabeças raspadas aqui por uma questão de estilo. Abrigos brancos com capuz e escritas góticas em preto (e vice-versa) são outro sinal. Bótons ou camisetas de times cujas torcidas conhecidamente abrigam esse tipo de gente são motivo para alerta. Esta semana, no trem, vinha um careca 4x4 com uma pochete na cintura escrito em letras garrafais: ULTRAS. É pra não deixar dúvidas.

Neonazis também são fãs da marca Lonsdale, embora a própria fábrica em si tenha apoiado campanhas anti-racismo. Isso porque as letras do meio formam NSDA, a sigla do antigo Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, a legenda de Hitler. Algumas escolas chegaram a banir a etiqueta. Mas nenhuma marca é uma ostentação mais clara de uma postura neonazista do que a Thor Stainar. Curiosamente, o mapa de maior incidência de vendas e encomendas da loja on-line da marca coincide com o mapa da antiga DDR. Roupas da grife são expressamente proibidas no parlamento alemão e em alguns estados do país. Apesar disso, a marca abriu uma loja exclusiva em Chemnitz (parte da ex-DDR, claro!) chamada Brevik. O nome da loja tem apenas uma letra a menos do que o sobrenome do atirador neonazista norueguês, Anders Behring Breivik, que matou 77 pessoas em julho de 2011.

14/88 e outras saudações 

Além de suásticas pelos muros, saudações e pichações nazistas também aparecem disfarçadas. O número 88 é uma dessas expressões. Significa duas vezes a letra H, em uma referência a saudação nazista Heil Hitler. O número também costuma aparecer combinado com o 14, que é uma referência a uma frase originalmente de 14 palavras inspirada no livro Mein Kampf (Minha Luta), de Hitler:  "We must secure the existence of our people and a future for White Children" ("Devemos assegurar a exitência de nosso povo e um futuro para as Crianças Brancas"). Existem outras indicações, claro.

Sempre que falo sobre esse assunto, lembro do filme Die Welle – que não tem nada a ver com a Deutsche Welle!!!. Recomendo sempre. Vale para entender o processo de mobilização de movimentos que aparentemente parecem inofensivos ou sem sentido. Ah, e pra fechar, depois de tanto falar dos estereótipos, só não vale confundir punks com nazistas. No meio das jaquetas pretas com símbolos anárquicos não é difícil encontrar uma suástica: mas cruzada! Eles são contra a extrema direita e fazem questão de deixar isso bem claro.

* Foto de Peter Pöppelmann, publicada aqui, licenciada de acordo com as normas do Creative Commons.