Em Erfurt: bondes encontram espaço mesmo em ruas estreitas e históricas
Vivo há quase seis anos na Alemanha e por aqui nunca
tive carro (nem carteira de motorista) e vivo feliz e satisfeita em relação ao
transporte. Estive no Brasil na semana passada a trabalho (especificamente em
Blumenau, SC) e, nesses dias, usei o transporte público em algumas ocasiões. Assim,
me dou a o direito não de comparar, mas de observar alguns pontos simples que
poderiam fazer o transporte de Blumenau (e de outras cidades do Brasil) muito
melhor. Não estou falando de investimentos faraônicos: só de um pouco de
organização.
- As paradas de ônibus deveriam ter um nome, simples assim. Dessa forma, os transportes deveriam ser mapeados como o metrô (as cidades alemãs fazem isso e uso o mapa de Brauwnschweig – cidade onde morreu o Dr. Blumenau, fundador da cidade, para ilustrar). Só assim, não teria ficado fazendo um monte de perguntas para saber que ônibus passa onde e como vou de A a B.
Eficaz: sistema de ônibus pode ser mapeado como o metrô
- Os nomes das paradas permite que sejam incluídas em um mapa digital e, com isso, quem não sabe o nome da parada de ônibus poderia simplesmente colocar o endereço de partida e o de chegada em um site e receber a rota de ônibus que deve seguir para chegar lá. Esse exemplo da imagem é do site de transportes de Berlin. Simulei a pesquisa a partir de dois endereços: do Parlamento Alemão (Platz der Republik 1) até a Universidade Técnica de Berlin (Straße des 17. Juni 135). O site verificou qual a parada de transportes públicos mais perto das minhas opções e indicou o caminho (incluindo mapas do trajeto a ser percorrido a pé desde a minha localização até o local onde desejo ir). Em tempos de Google maps não é nada do outro mundo.
Planejador: site ajuda a definir as rotas e fornece até mapas
- As paradas de ônibus deveriam ter informações básicas: que linhas passam por elas, o mapa do transporte, uma tabela com o horário que o ônibus deve passar em cada uma delas. O quadro mostra uma linha de Bremen: nela consta o horário em que o Bonde 8 (mas é a mesma coisa para os ônibus), vai passar pela parada que se chama Duckwitzstr., de segunda a sexta, no sábado e nos domingos e feriados. Em baixo, está a descrição da linha. A parte anterior mostra de onde o trem veio. Em vermelho, a parada onde se esta. Depois as paradas seguintes, com a previsão de quantos minutos se vai levar para chegar até elas e, claro, em que direção o veículo está seguindo: assim ninguém pega o trem ou ônibus para o lado errado.
Em Bremen: quadro informativo com horários e trajeto
- A medida acima acabaria com a sensação de que todos os ônibus estão participando de um rali. Fiquei assustada com a velocidade excessiva em lugares sabidamente perigosos, como a curva do Cemitério no Progresso, por exemplo. Definir o horário previsto para cada ponto de ônibus evita que o motorista meta o pé na tábua para chegar antes. Claro que atrasos acontecem, mas a correria é muito mais perigosa. Assim, caso não tivesse que parar em um ponto, o motorista teria que controlar a velocidade para não passar adiantado no seguinte. Pode parecer chato no começo, mas isso assegura que ninguém vai chegar na hora marcada e ver a placa traseira do ônibus saindo do ponto. No fim das contas, confere mais confiabilidade ao sistema. Eu só posso crer que em Blumenau não seja assim porque quem cuida do transporte não conhece essas alternativas: não existe outra justificativa.
- As estações de pré-embarque do Centro da cidade (modelo que tenta imitar o transporte de Curitiba – que já foi bom no século passado!) são a coisa mais ridícula do universo. Parecem gaiolas com pássaros selvagens recém capturados, onde todos ficam se debatendo. Quem sai do ônibus tem que empurrar para o lado quem esta engaiolado na espera de entrar no veículo. É patético. A coisa toda seria muito mais simples – e barata – se o sistema de leitura dos cartões de pagamento de passagem - que já contém um chip – fizessem também a leitura de uma marca temporizada. Ou seja: a pessoa passa na catraca e aquela passagem continua valendo por 90 minutos (ou 120, ou quantos a prefeitura julgar adequado), sempre na mesma direção (centro-bairros ou bairro-centro, por exemplo). Para os turistas (os raros que usam transporte coletivo!), poderiam ser vendidos cartões temporários nos postos de informação turística ou nos terminais. Em Florianópolis já funciona assim: ou seja, o exemplo está na porta.
- Alguns corredores de ônibus já funcionam na cidade e acho que devem ser ampliados. Quem não viaja no conforto do ar condicionado do seu carro deve ter o direito de fazer o caminho mais rapidamente. Isso poderia atrair novos usuários: se o ônibus chega antes, por que ir de carro?
- Estacionamentos próximos aos terminais com desconto para quem usa o transporte coletivo. Assim, é possível ir de carro até um terminal, estacionar e seguir o resto da viagem em direção as áreas mais centrais de ônibus. O mesmo vale para bicicletas: um local coberto e seguro onde possam ser deixadas. Funciona que é uma beleza aqui na Alemanha. Eu mesma fazia isso: deixava a bicicleta trancadinha no ponto e, quando voltava a noite depois do trabalho, não precisava caminhar sozinha por ruas não muito iluminadas (embora por aqui isso não represente um risco...).
É claro que as melhorias nos ônibus devem ir além.
Modelos mais baixos e que se reclinem para facilitar o embarque de pessoas
idosas seriam absolutamente convenientes. Não entendo porque os ônibus
brasileiros tem uma altura de monster car. Com modelos mais baixos, as rampas
para acesso a cadeirantes não precisam ser mecanismos hidráulicos complexos. Só
uma rampa que pode ser aberta manualmente (uma prancha de madeira) e colocada
até a parada resolve. Por aqui é assim: alguns ônibus mais modernos têm rampas
automáticas, acionadas com um botão pelo motorista. Mas todos os outros tem
essas rampas simples, que tornam o transporte acessível a todos.
Nem vou entrar no mérito do ar-condicionado. É absurdo
que essa não seja uma exigência para todos os novos veículos incluídos na frota
a partir da década de 1920. Bancos mais confortáveis não seriam má ideia, mas
como prioridade, pregaria uma medida nos espaços públicos. Já passou da hora da
proibição de fumar nos terminais, exceto em pequenas áreas específicas,
marcadas no chão e com lixeiras para as infinitas bitucas que fazem o mundo
mais feio. Porque mesmo em espaços abertos, os não-fumantes devem ser
protegidos. E ninguém merece aqueles que dão uma última tragada já com o pé na
porta e depois despejam a fumaça imunda já dentro do transporte.
Em uma visão mais utópica eu sempre me
pego pensando na rua XV de Novembro de Blumenau – e tantas outras ruas de
comércio importantes do Brasil - como um calçadão, talvez com o espaço
compartilhado por bondes elétricos. Mas sei que isso está longe ainda. O que o
brasileiro precisa entender é que vale a pena pensar no país como os países
desenvolvidos pensam e que a cultura do carro é arcaica e burra. E pra fechar, que
os comerciantes saibam que o que eles pensam hoje – que os clientes não irão
mais as suas lojas se não puderem parar com o carro na porta – é a mais pura
mentira: os holandeses que o digam.