Hoje
aconteceu uma daquelas coisas que fazem a gente morrer um pouquinho por dentro.
Daquelas que entristecem a alma. Estou meio de luto apesar do sol que faz lá
fora.
Weimar está
lotada de turistas – alemães, que constituem a maioria dos visitantes – aproveitando
o último calorzinho do ano. A rua cheia, músicos tocando por todos os lados.
Parei na maior livraria da cidade para ver uns cartões postais – sim, eu ainda
envio postais – e escuto um músico que sempre vejo na rua: um visual punk,
cabelo moicano pintado de azul.
Já tinha
visto o cidadão acompanhado de amigos usando as marcas de roupa preferidas dos neonazistas,
mas (ainda) concordo com o benefício da dúvida. Só que dessa vez, quando parei
para ouvir o que ele cantava – em ritmo de um bom rock dos anos 70 – fiquei sem
chão.
As palavras de ódio das estrofes eu esqueci, mas o refrão segue
martelando na minha cabeça: “todos os judeus são porcos, seja nazi”. Nem
escrevo isso em alemão pra não ver esse blog visitado por acidente por militantes
de direita em busca de companhia.
Assim, em plenos
pulmões, no meio da rua ele cantava essas palavras. E as pessoas passavam e
atiravam moedas. Quero dar a essas pessoas também o benefício da dúvida e crer
que deram o dinheiro porque não ouviram o que ele cantava.
Fiquei
chocada. Sai de perto, voltei pra ter certeza. Liguei pra polícia. Bom, na
verdade fiquei tão nervosa que liguei pro bombeiro. Ai falei tudo. O bombeiro
me deu o número da polícia, claro. Liguei de novo, contei tudo de novo, quase
chorando de raiva. Dei meu nome e fiquei por perto, mas não muito perto.
Em cinco
minutos a polícia chegou e parou exatamente onde eu estava. Me identifiquei e
me escondi em uma curva da rua para que os nazis não me vissem falar com os policiais: no
fundo eu tenho medo. Eu vejo esses acéfalos todos os dias na praça principal da
cidade bebendo e cantando (provavelmente as mesmas músicas) e isso fica a dois
minutos da minha casa.
Os
policiais chegaram até o “cantor” enquanto ele fazia uma pausa. Não fiquei pra
ver o resto da
conversa, mas não consigo crer que ela mude algo. Já li em
jornais e fóruns que o chefe de polícia do Estado da Turíngia seria ligado ao
NPD, o partido fascista. Mas não encontrei nenhum documento provando isso em
uma procura superficial. Então, ele também tem o benefício da dúvida.
Deixei com
os policiais meu número de identidade, meu endereço, meu telefone. Deixei com
eles minha (pouca) esperança de que alguma coisa aconteça e que essa gente seja
proibida de cantar essas atrocidades. Eu respeito a liberdade de expressão, mas
como diz um dos slogans das campanhas antinazista por aqui, fascismo não é uma
opinião, é crime.
Não foi a
primeira vez que aconteceu algo assim comigo. Mas vou passar o dia trancada em
casa, de luto até, digerindo e esperando que amanhã faça sol novamente para eu
olhe outra vez para a cidade com olhos gentis.
3 comentários:
Ivana, sinto muito por você e pelos alemães que lutam contra essa barbárie. O Neonazismo é um dos motivos que me fez abandonar a Alemanha e principalmente, Turinger. Teu relato me fez relembrar situações e o clima pesado que senti no último ano. Espero, de coração, que fiques bem. Um upa carinhoso para você!
Nossa Ivana, eu acompanho seu blog faz um tempinho e fiquei triste com sua experiência recente. Na época em que morei em Mannheim passei por uma situação bem difícil: dois caras NeoNazis me ameaçaram no ponto do Straßen-Bahn dizendo que odeiam estrangeiros e que estes só servem pra apanhar... que gostariam de espancar todos até a morte. Minha sorte foi que logo apareceram mais pessoas no ponto e eles pararam. Lembro que passei um bom tempo com medo. Nos quatro anos seguintes nunca mais vivenciei algo do tipo mas sempre ouço histórias de colegas. Espero que continue tudo bem... LG
Volta pra casa, Ivis... Aqui no Brasil, vc não vai passar por isso. Vai tropeçar em pobres e mendigos atirados na rua todo santo dia, mas não vai conseguir identificar um neonazi a céu aberto.
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