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sábado, 8 de fevereiro de 2014

Dicas de convivência: franqueza alemã pode parecer grosseria, mas torna a vida mais fácil

Falso pudor: no Brasil, perguntar o salário desqualifica o candidato ao emprego

Já ouvi muita gente dizendo que alemão é mal humorado, grosso e carrancudo. Pode até ser algumas vezes, mas no geral, o que acontece é um choque cultural e a franqueza acaba sendo interpretada como rispidez. Vou simplificar a história. Escrevo esse post do Brasil, onde estou a trabalho, e confesso que já estava um tanto desacostumada a “malemolência” daqui e por isso o estranhamento começou cedo: já no café da manhã, lendo o jornal fresquinho.

Passei os olhos pelas páginas de classificados de emprego e veio o primeiro choque – fruto de muitos anos longe do Brasil: nenhum dos anúncios dizia de quanto era o salário. Isso me lembrou da hipocrisia local: é um pecado sem tamanho estar mais interessado no salário do que no trabalho a ser feito! Como assim? Eu gosto da minha profissão – amo ser jornalista, na verdade! – mas não teria o menor pudor em passar meus dias organizando e programando minha próxima viagem a um destino paradisíaco se dinheiro desse em árvore.

Eu trabalho pura e simplesmente porque preciso de dinheiro pra viver e mesmo assim, no Brasil, parece um crime querer saber a perspectiva salarial antes de decidir se me candidato ou não para uma vaga. Na Alemanha, se o salário – em valor anual bruto – não estiver especificado, virá um código de referência (especialmente em cargos do serviço público), dizendo quanto se vai ganhar: 70% do valor de referência XYWSX ou salário referência JKDCFKL. A renda líquida vai depender se a pessoa é solteira ou casada (quem casa paga menos!), em que categoria de imposto está incluída, quanto decidiu contribuir para a previdência, o tipo de plano de saúde (caro e obrigatório!) e por ai vai. Para não ser surpreendido, o ideal é calcular em média entre 30%  e 40% de desconto sobre o valor bruto.

Há ainda empresas que oferecem vagas em uma categoria salarial chamada 400 Euros Basis, em que quase não há descontos e o que varia é o valor da hora. Assim, a pessoa sabe o quanto vai ganhar e negocia o valor que receberá por hora: ou seja, o quanto ela vai trabalhar para ganhar os 400 euros por mês. Como esse tipo de emprego costuma ser bem maleável – pode-se fazer algumas horas na segunda de manhã, outras três na terça à tarde, folga na quarta e trabalha depois mais duas na quinta, por exemplo – é uma opção bem comum entre os estudantes, já que pode ser adequada ao calendário de aulas. Tudo com muita clareza.

A impossível arte de dizer não

Dizer não é outro tabu no Brasil. Tanto que muitas vezes deixo de perguntar o que quero só pra não constranger meu interlocutor. Um diálogo absolutamente normal na Alemanha: “Podes me dar uma carona? – Não, tenho um outro compromisso hoje”. Tudo normal, direto, sem culpas ou rodeios. No Brasil, eu jamais pediria: a pessoa vai ficar sem graça de dizer que não, talvez desvie o caminho para me dar a tal da carona e depois comente em casa o quão folgada fui em fazer o pedido.

A questão da negativa também vale para qualquer convite. Vim fazer uma série de reportagens no Brasil, todas previamente definidas e marcadas, com uma agenda apertada. As pessoas me ligaram oferecendo outras histórias – muitas vezes igualmente interessantes, mas fora do meu escopo e agenda. Agradeci e disse que não poderia: que ofensa! Brasileiros preferem ouvir que vou tentar ver se encaixo o compromisso na agenda, mesmo sabendo que isso não vai acontecer. O não ofende.

No entanto, o que me ofende muito mais é o inverso de dizer não. Já convidei amigos para um café, que me responderam sorridentes que sim, mas que não apareceram. Na Alemanha, a ofensa de “dar o cano” é incalculável, já a negativa é honesta, prática, evita falsas expectativas e facilita a vida de todo mundo.

Mas afinal de contas, tenho uma “grosseria” preferida. Para dizer não no Brasil, é preciso ter um arsenal de desculpas: todas tão mirabolantes que no fim sempre penso em escrever um livro sobre a aventura da pessoa. E entre os “sisudos”, é tão mais simples: obrigada, mas já tenho um outro compromisso nesse dia. E mesmo na hora de ir: Tchau, tenho um compromisso agora. Assim, sem qualquer adendo, sem qualquer informação adicional.

Creio que a franqueza gera confiança e a certeza de que um não é tão honesto quanto um sim. Por isso, quando conhecer um alemão, nunca se despeça dizendo: “A gente se vê! Eu te ligo! Vamos marcar um churrasquinho uma hora dessas”. Ele certamente vai pegar a agenda para anotar seu telefone, avisar quando vai ligar e verificar se estará livre para essa noite de carnes e cervejas. E pode ter certeza: mesmo que ela seja daqui a um mês, a pessoa vai estar lá e vai chegar na hora certa. Isso se chama respeito e não grosseria.

7 comentários:

Anônimo disse...

Também acho que a vida seria mais fácil sem hipocrisia.
Já fiquei várias vezes na expectativa de uma saída ou convite, sem graça de dizer não(agora sei de onde vem) e não gosto destas experiências

Anônimo disse...

Quanto a informar salário no anúncio de vagas nao é pudor.É uma estratégia,querem atrair candidatos que não iriam a entrevista por talvez achar pouco o salário.Ou se gostam muito,aumentam a oferta. No mais,eu concordo.A objetividade e clareza dos alemães pra mim sempre foi muito benvinda.

Anônimo disse...

Nao sei se é hipocrisia ou construcao cultural esse tema e outros. Morando fora há muitos anos e como jornalista seria interessante vc falar da sua experiência profissional na Alemanha, vc trabalhou ou trabalha como jornalista numa empresa alema, há dificuldades em se conseguiur um emprego nessa área na Alemanha sendo estrangeira ou nao, enfim como é esse mercado de trabalho na Deutschland.

Patricia Luck disse...

Nossa! Me identifiquei demais! Sou de SC (e portanto somos considerados mais "diretos") e aqui no RJ passo por grosseira muitas vezes! Qual o problema em dizer que não, não podemos dar carona pro filho da vizinha porque tenho outro compromisso? Se a vizinha dá uma roupa pro meu filho e não serve, eu digo que vou trocar e ela fica ofendida! Se a amiga está doando roupas do filho dela pro meu e eu digo que tem coisas ali que não preciso, ela fica chateada...eu deveria ficar com tudo? Afe, ainda não me acostumei com essa falta de clareza...

GLAWBER ZIMMERMANN disse...

Acredito que o "NÃO" mais direto, curto e grosso na Alemanha tenha origem em sequelas das tristezas da guerra que no Brasil não existiu, entre outros motivos a mais também, lógico, mas com isso pecam em não serem mais comunicativos por assim estarem evitando abrir portas que só os comunicativos conseguem, tudo tem lado bom e ruim, é assim que escolhemos o que, como, quando e onde fazer tudo. "Quero ver você não querer aprender quando não tiver escolha para sobreviver" (A Arte da Guerra)

Amanda Cachoeira disse...

Hum... entao eu nao sou muito brasileira, kkkk, sei dizer nao muito bem e nao prometo nada que nao vou cumprir, nem para sair bem. Geralmente, para nao me comprometer nao costumo nem dizer nada, nem que sim nem que nao! Mas quando exige um nao eu digo: desculpe mas nao vou poder. Simples assim.

Jordão disse...

Eu sou pontualíssimo. Se prometo, faço horrores pra cumprir, por isso prometo o que posso cumprir, isso me ajuda a ter mais facilidade de dizer NÃO. Mas isso ainda me constrange um pouco de vez em quando.
Hipocrisia e falsidade essa questão de querer agradar. Por exemplo, uma pessoa feia coloca uma foto mal tirada no Facebook e todo mundo fica elogiando, linda(o)e tal. Eu já não tenho muita facilidade de elogiar, por isso não passo constrangimentos com isso. As pessoas que me conhecem sabem bem que não elogio por pouca coisa. Mas valorizo muito o que acho que deve ser valorizado.
Ser sincero é ser grosseiro? Depende da forma como se expressa? Depende de quem recebe a sinceridade?

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