Nem amor nem ódio: só achei a cara "azeda" da Merkel-espremedor engraçada
Depois de
vários anos morando fora, fica fácil descobrir o que a gente ama ou odeia em
outro país. Nos primeiros anos o deslumbramento borra a avaliação, mas quando
chega a fase da rotina e da calmaria, fica mais fácil separar as coisas. Eu já
fiz minha lista:
Amor, amor!
1 – Dias longos
de verão
Acho que
essa é uma das coisas que eu mais gosto por aqui. Me sinto vingada pelo inverno
longo e escuro. No verão, as 5 da manhã o dia já está claro e a noite chega para
valer depois das 22:00. Quer época melhor do que essa para fazer churrascos na
rua, conhecer outras cidades e ter luz para fotografar até tarde? O verão na
Alemanha é mágico.
2 –
Flohmarket
Os mercados
de pulgas são fascinantes. Vendem tudo o que a gente precisa e melhor, tudo o
que a gente não precisa. Uma coleção de quinquilharias para todos os gostos,
objetos usados e, no meio do caos, tendas de jovens artistas de designers
vendendo suas peças diretamente para o público. Esses mercados são o único
lugar da Alemanha onde se pode barganhar preços. Aliás, a pechincha é uma regra
nesses casos.
3 – Jardins
e parques por todos os lados
Nunca
conheci outro país no mundo com tanto espaço para as pessoas. E olha que já
viajei bastante. Por aqui qualquer esquina vira um parque e mesmo as áreas de
maior urbanização são cheias de árvores e com banquinhos para sentar uns
minutos ao sol. Em volta da minha casa em Berlim são ao menos sete parques: do
gigante Tiergarten aos menorzinhos. Isso sem contar as pracinhas com brinquedos
para as crianças. Em todos os lugares que morei na Alemanha, nunca estive a
mais de um quilômetro de uma área verde: elas estão por todos os cantos.
4 –
Transporte coletivo
Nunca
precisei de carro aqui e não tenho o menor desejo de comprar um, mesmo que eles
custem muito, muito menos que no Brasil. Eu simplesmente não preciso. O
transporte coletivo é variado e em Berlim é especialmente eficiente. É o melhor
que já usei no mundo, sem puxa-saquismo. Nunca corro para pegar um metrô: o
próximo leva menos de cinco minutos. Além disso, o transporte é 24 horas todos
os dias: o metrô fecha, mas os ônibus circulam a noite toda.
5 –
Mercados de Natal
Sou
apaixonada pelo Natal na Alemanha. É lindo demais. E quem nunca viu, não sabe o
que é sentir o clima de Natal de verdade. Todas as cidades do país têm seus
mercados. Em muitas, mais de um. As barraquinhas oferecem presentes, enfeites
e, sobretudo, comidas típicas dessa época do ano. No ar, reina um cheiro devinho quente com especiarias e amêndoas carameladas. Nos dias de neve a coisa
toda parece um conto de fadas.
6 –
Segurança
Existe
criminalidade na Alemanhas sim e as bicicletas que o digam. Roubo de bicicletas
é muito, muito comum. Existem batedores de carteira também. Em Berlim, um crime
frequente são as surras aleatórias: um grupo escolhe uma pessoa qualquer na
madrugada e bate, bate muito, levando a vítima (que geralmente não tem qualquer
relação com o agressor) ao hospital. Mas apesar disso tudo eu me sinto segura
por aqui. Eu não preciso ficar olhando para trás a noite quando ando na rua.
Posso sacar dinheiro no caixa eletrônico sem me preocupar. Uso meu celular no
transporte coletivo, leio em uma tablet e não vou ser assaltada por isso na
próxima esquina. Também não vou sofrer um sequestro relâmpago e ninguém vai me
prender no banheiro enquanto rouba a minha casa. Essa sensação de segurança não
tem preço.
7 –
Correios
O Correio
aqui também é um banco. Por acaso, o meu banco. Mas não é por isso que gosto. O
que me deixa feliz é saber que existem concorrentes e posso escolher como
enviar minhas coisas pra lá e pra cá. O serviço aqui funciona muito rápido: uma
caixa de uma cidade A para B chega no dia seguinte e custa muito pouco. O
sistema de entrega também é bacana: se você não está em casa, deixam a
encomenda com um vizinho e um bilhete na sua caixa do correio avisando quem
está com a encomenda. Além disso, você pode escolher por receber em uma estação
de pacotes: recebe em casa um código e vai até a estação – que tem um monte de
armários como aqueles de rodoviária –, digita os números em um computador e a
porta do compartimento da sua encomenda se abre: 24 horas por dia.
8 –
Ciclovias
Mesmo com o
transporte coletivo impecável, ninguém precisa usar os serviços. Uma rede de
ciclovia se espalha pelo país inteiro, com rotas intermunicipais e espaços para
ciclistas em todas as ruas de todas as cidades. Você tem preferência quando
está pedalando: os carros param para você passar. Existem normas de como
pedalar, equipamentos de segurança obrigatórios e um número relativamente baixo
de acidentes se comparado com o volume de ciclistas em todo o país. Uma
bicicleta é um objeto fundamental na vida de quem mora nesse país e as crianças
aprendem sua importância desde o momento que começam a andar. Primeiro, com
bicicletas sem pedal, só para treinar o equilíbrio. E ai, com menos de três
anos já estão pedalando pelas ruas também.
9 –
Horários
Pontualidade
é uma coisa que me comove. Eu odeio esperar, odeio gente atrasada e a Alemanha
me faz feliz nesse aspecto. Eu acho que cumprir horários é uma questão de
respeito: é como dizer que eu sei que seu tempo vale tanto quanto o meu. Isso
por aqui é lei: todo mundo chega na hora e, quando não, avisa imediatamente que
vai se atrasar cinco ou dez minutos. Mais do que isso ninguém se atrasa. Isso
vale também para o horário de trabalho. É lenda dizer que os alemães trabalham
muito: na verdade eles trabalham menos horas que os brasileiros, mas são muito
mais focados – e por isso mais eficazes – do que nós. Quando estão no trabalho
estão realmente fazendo o que tem que fazer, sem distrações e, por isso, quando
termina o expediente, levantam e vão embora. Fazer horas a mais – com raras
exceções – significa que você não foi eficaz o suficiente para fazer tudo o que
deveria nas horas previstas.
10 –
Ordnung
Esse é meu
caso de amor e ódio. Falo aqui das coisas boas e depois dos aspectos negativos.
Para tudo aqui existe uma regra e para viver em harmonia basta seguir o que
está planejado previamente. Isso me comove e torna a vida muito mais fácil. Meu
marido sempre brinca e diz que na Alemanha não se precisa pensar: é só ler o
manual, porque alguém já previu a situação e pensou em uma saída pra ela.
Concordo plenamente e essa organização me da uma sensação de controle muito
grande sobre a vida.
11 – (Bonus
track!) Silêncio
Eu nunca me dei conta do quanto aprecio o silêncio até conhece-lo
de verdade. O Brasil é muito, muito barulhento: tem sempre alguém berrando, um
carro buzinando, um vizinho ouvindo uma música horrorosa em um volume que
perturba o bairro inteiro. Por aqui, barulho é sinônimo de agressão e todo
mundo tenta ser o mais silencioso possível. Eu moro no centro de Berlim e cada
vez que abro a minha janela, a única coisa que escuto são passarinhos. E isso
acontece pelas ruas também: o canto dos passarinhos na primavera é mais alto
que o som dos carros. E mais: nas casas, a televisão não fica ligada o dia
inteiro, como se fosse o membro mais importante da família. Aliás, muita gente
sequer tem televisão em casa e poder conversar sem disputar o volume com o
aparelho já traz uma tranquilidade sem tamanho.
Ai que
ódio!
1 – Tudo
fecha aos domingos
Todo o
sábado os supermercados se transformam em uma praça de guerra. Quem deixa pra
ir depois do almoço já sabe que pode ficar sem muitos dos produtos, uma vez que
não existe o padrão de repor mercadorias o tempo todo nos mercados. No domingo,
nada abre. Em Berlim, a maior cidade da Alemanha, é possível contar em uma mão
os mercados que trabalham. Já no interior, nenhum. Se esqueceu de um dos ingredientes
da receita, o negócio é mudar o cardápio, por que não se acha.
2 – Cinema dublado
Todo o
filme que passa no cinema alemão é dublado. No Brasil esse costume horroroso
tem avançado e sinto uma pena imensa. Metade da atuação de alguém - ou mais!-
está na voz e juro que até o Brad Pitt fica feio quando abre a boca e sai
alemão. Eu amo cinema, mas vou pouco por aqui por conta da falta de opção de
títulos com som original. Em Berlim a coisa é menos pior, mas no interior do
país, nunca se acha.
3 – Sistema
bancário
O sistema
bancário alemão vive no século passado. É lerdo, muito lerdo. Depósitos não
entram imediatamente na conta, transferências levam dias, pagamentos feitos com
cartão de débito não caem na hora. Os serviços não são tão caros, os juros não chegam
nem perto dos brasileiros, mas a lentidão me chateia. A única coisa boa é que
quase todos os serviços podem ser feitos pela internet e assim nunca preciso
enfrentar as filas da agência.
4 –
Furadores de fila
Falando em
filas... Acho que furar fila é o esporte nacional favorito dos alemães. Nunca
vi nada assim no mundo. Eles têm uma cara de pau sem paralelos. Chegam pela
lateral e vão se enfiando até que alguém berre reclamando. Se não berrar, eles
ficam. E a prática começa cedo! Outro dia estava em uma loja de rede, em um
sábado (nunca faça isso!) esperando para provar umas roupas. Uma adolescente
veio pelo lado e foi se enfiando, entrando pelo corredor para “ver se todos
os provadores estavam mesmo ocupados”. Soltei a brasileira que vive comportada
dentro de mim e mandei a fulana para o fim da fila perguntando se a mãe dela
não tinha dado educação. Depois pensei que a mãe dela deveria estar, naquele
momento, tentando furar a fila de um caixa de supermercado.
5 – Gema
Leia Guêma.
É o Ecad da Alemanha e eles aparecem na sua vida a todo o momento. Sabe porquê?
Por que cada vídeo do Youtube precisa ser liberado por eles através de um
acordo com a gravadora. Então, 80% de todos os vídeos que meus amigos
compartilham nas redes sociais... tchã! Não consigo ver. Claro que sempre tem
como dar um jeitinho, mas vai que alguém conta para Gema.
6- Inverno
longo e escuro
O inverno
aqui é quase infinito. Em setembro se começa a usar uma blusinha e a blusinha
só sai do corpo depois da metade de maio. Ou seja, são pelo menos oito meses
por ano com uma camada a mais de roupa. Camiseta e braços de fora, em poucos
dias e raras noites. Mesmo no verão é melhor levar a tal da blusinha. Mas isso
não é o pior. Que tal dias em que o sol nasce só perto das 9:00 e as 15:00 está
se despedindo? Bem-vindo a Alemanha. A escuridão me deixa com a sensação de ter
tido o meu dia roubado e isso me deixa mais pra baixo do que as temperaturas
negativas.
7 –
Televisão
Nunca fui a
pessoa mais aficionada por televisão na vida, mas a tv aberta na Alemanha não é
ruim: é pior. As primeiras vezes que eu liguei achei que estava vendo algum
especial dos anos 80, mas depois me acostumei que a estética é assim, digamos,
peculiar. Filmes antigos estão em todos os canais (dublados, claro!), seguidos
de documentários mais velhos ainda, sempre sobre a guerra. Os jogos de futebol
são o maior sonífero: o narrador fala duas palavras a cada cinco minutos e você
acha que o som da televisão estragou. E tudo isso custa caro. Não ia me
importar com a qualidade se eu não tivesse que pagar um imposto pelo serviço,
mesmo que eu nunca – ou raramente! – use. São quase 18 euros por mês,
obrigatórios e debitados em conta a cada três meses. E quem não paga pode ser
fiscalizado e multado.
8 – Egoísmo
No Brasil
tudo se partilha. Você ganha um chocolate, tem que oferecer para quem está por
perto. Você compra um pacote de chiclete? Pega um e esquece do resto. Por aqui
não. Ninguém oferece nada, nunca. E quando você oferece as pessoas não sabem
muito o que fazer. Essa coisa do egoísmo é, na verdade, individualismo. Já vi
casais (felizes e bem casados) em que cada um lava a sua própria roupa: eu acho
que a tarefa é responsabilidade dos dois, mas seria menos complicado revezar de
quem é a vez de lavar tudo, não acham? Outra coisa comum por aqui é a pessoa
sentar no banco do trem ou do ônibus e colocar qualquer coisa para ocupar o
banco do lado: uma mochila, um casaco, o que estiver à mão. Assim, quem quiser
sentar tem que pedir para que o ser humano em questão remova seus pertences e
vai ganhar uma olhada feia em resposta quase sempre. É normal o trem estar
razoavelmente cheio e ninguém se dar ao trabalho de abordar o “dono do espaço”.
Eu peço e ainda dou um sorrisinho pra cara feia.
9 – Erdnuss flips e Rumkugel
E aí você vai na festinha dos seus amigos estudantes e quando chega lá
encontra aquela bacia cheia de chips, aqueles amarelos, que passou a infância
comendo. É um momento de felicidade, sempre. Um reencontro com a infância. Até
encher a mão e levar os primeiros a boca. Difícil mesmo é não ter nenhum lugar
por perto para cuspir. Os tais salgadinhos amarelinhos, tão iguaizinhos aos
nossos, são uma fraude! Eles têm sabor artificial de amendoim. Um viva (SQN!) para
quem inventou essa porcaria. E outro viva para quem teve o dom de avacalhar com
a sagrada receita do brigadeiro. Por aqui existem as tais das Rumkugeln, ou seja,
bolinhas de rum. Elas são exatamente iguais aos nossos brigadeiros, mas vem em
caixinhas ou saquinhos, sem as forminhas. Tudo lindo até o momento de pôr na
boca e sentir aquele sabor forte de álcool e um doce que nem doce sabe ser. A
propósito, nesse caso existe o outro lado da moeda. Os alemães olham nossos
brigadeiros e pensam: oba, Rumkugel! Gosto não se discute... E aí colocam na
boca e tem uma crise diabética: a maioria detesta porque acha doce, doce, mas
doce demais.
10 – Ordnung
Meu caso de
amor e ódio com a Alemanha está aqui na lista também. Se por um lado é muito
bom que existam regras para tudo, por outro a margem de manobra para a
criatividade é muito pequena. Espontaneidade é quase proibida por aqui, já que
fazer qualquer coisa sem pedir a autorização meses antes, sem avisar, sem
convidar é fora da lei. E nem pense em bater na casa de alguém dizendo que estava
passando pela rua e resolveu visitar. Está fora do Ordnung. Sabe aquele parque lindo do lado da sua casa,
perfeito para um piquenique e um churrasquinho? Não pode, o Ordnung não permite.
Essa palavrinha significa muito mais do que regras, é o status quo de um país
que não sabe o que fazer quando a vida cria situações que não estão nos
manuais.