Queda do Muro: alemães tomam conta da "terra de ninguém"*
Há exatos 23
anos, em 9 de novembro de 1989, caia o muro de Berlin e a Alemanha voltava a ser
um só país. Ao menos nas fronteiras e nos papéis. O muro, construído em 1961, separava
a Berlin ocidental – uma ilha capitalista no coração da Alemanha comunista (a Deutsche
Demokratische Republik, ou simplesmente DDR). Já escrevi sobre a história do
muro aqui. Vale dizer que, na época, o que ocorreu não foi uma fusão de dois
países e sim a incorporação dos ex-estados comunistas à Alemanha economicamente
forte.
O 9 de novembro não é exatamente comemorado
pelos alemães e, na maioria das cidades, passa em branco. A celebração da união
dos dois países é em 3 de outubro, data da unificação oficial da Alemanha. A
queda do muro foi a primeira abertura de fronteiras, permitindo que Ossies (da
DDR) e Wessies (da Alemanha capitalista - BRD, a Bundesrepublik Deutschland) pudessem
circular sem mais restrições. Isso porque, o 9 de novembro tem uma mácula: a
noite de 9 para 10 de novembro de 1938, ainda antes do início da Segunda Guerra
Mundial, ficou conhecida como a “Noite dos Cristais”.
Foi nesta madrugada que a perseguição contra
os judeus – que culminaria com o holocausto promovido pelos nazistas – ganhou corpo
nas ruas. Sinagogas em todo o país foram incendiadas e estabelecimentos comerciais
de judeus foram saqueados. Mais de 100 pessoas morreram nesta noite em que os
destinos do país mudaram completamente.
Coincidência ou não, outro 9 de novembro
marcou o calendário germânico: desta vez, em 1918, quando caia Wilhem II, o último
imperador alemão, rei da Prússia. O período que se seguiu – a chamada República
de Weimar – marcou os poucos anos de paz experimentados pelo país entre as duas
grandes guerras (Hitler começou a demonstrar sua força já em 1923 e a
democracia foi perdendo espaço para um regime totalitarista, consolidado 10
anos depois).
A diversidade cultural é grande. Norte e Sul são completamente diferentes. Um gosta de Grünkohl, o outro não vive sem Sauerkraut. Mas a diferença é ainda maior entre Leste e Oeste. Embora o fim das fronteiras tenha assegurado a todos o direito de ir e vir, não se pode generalizar gostos ou comportamentos. O Oeste é mais caro, mais desenvolvido. No Leste, os sorrisos brotam mais facilmente.
Tive a oportunidade de viver nos dois lados e ainda em Berlin, onde as diferenças estão até hoje nas fachadas e é fácil saber em qual das duas Berlin se está apenas de olhar em volta. Em Weimar, coração verde do país – e onde o muro parece ter caído muito tempo depois – as marcas da DDR ainda são mais fortes: nos conjuntos habitacionais de paredes muito finas, nas roupas que as senhoras ainda usam para trabalhar em casa, nos produtos de marcas muito específicas no supermercado, nas sinaleiras com o Ampelmännchen mas, especialmente no discurso de quem tem saudades do tempo em que se podia comer em um restaurante por apenas um Marco.
* Foto de Sue Ream, originalmente publicada aqui, licenciada pelas normas do Creative Commons.
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