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domingo, 26 de dezembro de 2010

No ano em que Noite Feliz virou a Dança do tiro-liro

Faz pouco mais de um ano que vim pra Portugal pela primeira vez. Minha irmã mora aqui, tem uma família portuguesa ‘bué da fixe’ e mostrou o país inteirinho pra mim: se não o país todo, ao menos muito mais do que a maioria dos lusitanos já teve a chance de conhecer. Mas minha relação com Portugal vem de muito antes e não apenas dos livros de história ou da literatura estudada para o vestibular há muitos anos.

Eu tenho uma tia portuguesa e desde pequena a culinária da terrinha permeava as tradições brasileiras: bolo rei, pastéis de nata e bacalhau. Mas a música foi uma referência maior: eu passei a minha infância e pré-adolescência ouvindo Roberto Leal. Na verdade, apesar de ter alguns em casa, ouvindo um único disco dele, infinitas vezes. Minha irmã ganhou o tal do LP, não sei de quem, não sei de onde, mas eu e uma vizinha da mesma idade passamos tardes inteiras ouvindo repetidas vezes as mesmas canções.

A primeira música do Lado A era a Dança do Tiro Liro... “Tiro liro liro, é tudo muito giro!” E na época, no meu vocabulário de menina, “giro” era tão somente o verbo girar. Depois havia uma canção chamada “Férias em Portugal”. Essa era especial: uma balada romântica que eu e a fiel escudeira da infância, dançávamos de rosto colado com a capa do disco do gajo :D. Era dupla: trocávamos a cada vez, já que uma tinha uma foto grande e a outra tinha que contentar-se com o Roberto Lealzinho: injustiça.

Essa música em especial descrevia cada “sítio” do país: “Um país de amor, recordações. Em Coimbra ouvir velhas canções. Capas negras vestem ilusões. Castelos de história e tradições. Rio d’Ouro e Porto mais além. Nas aldeias tudo corre bem. No Algarve as noites de sol e de verões, não cabem em mil canções”. A letra deve ter erros, como as outras que estão por vir, porque escrevo o que está na memória: e cada frase dessas, depois, virou um cenário pelas andanças por esse país tão lindo. E tinha mais: “Carapaus, vinho verde e companhia. É uma noitada numa tasca em Portugal. Um fandango, caldo verde à Mouraria. Carapaus, vinho verde e companhia”.

Neste Natal não teve carapaus: teve bacalhau, vinho verde e companhia. Muita companhia – da família portuguesa que ganhamos de presente – e muito vinho verde. E depois de algumas taças de “Binho Berde”... todas as histórias ai de cima deixaram os recantos da minha memória e acabaram degustadas das entradas à sobremesa. Corei, fiquei vermelha, roxa e dei muitas risadas. E mal sabia que isso era apenas o começo.

E no meio de tanta conversa, fui eu a ganhar a primeira prenda da noite, mesmo com todos os pacotes ainda fechados sob a árvore. Chega o dono da casa, com o celular em punho e me passa uma chamada. Do outro lado da linha, a pessoa mais improvável do mundo: quem me deseja feliz natal todo simpático era o próprio Roberto Leal! :)


Enquanto na infância meus coleguinhas de escola dançavam ao som do Balão Mágico, eu me requebrava no Tiro-liro. Foi pra mim, como seria para a maioria, mais ou menos como a Simony ou o a Xuxa telefonarem. Inusitado é pouco! E, me perdoem a tietagem tão démodé: mas foi uma surpresa prá lá de feliz.

E agora, vou mesmo andar pelas ruas lisboetas com outro ritmo: “Subo a viela, toda enfeitada, roupa estendida pelos balcões e uma janela iluminada, que cheira a vinho, tascas e canções”...
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