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quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Opinião: Uma piscina com uma suástica é uma piscina de dejetos

Na parede da universidade: neonazistas são denunciados publicamente na Alemanha

Embora algumas pessoas tenham me questionado, não tinha escrito até agora sobre os achados fascistas do Vale do Itajaí, em Santa Catarina, porque acho que o que se deve pensar sobre o assunto é obvio. Já escrevi sobre isso várias vezes aqui no blog: sobre neonazistas nas ruas de Weimar, sobre os rastros do nazismo em Berlim e sobre os sinais para identificar neonazistas.

Mas essa notícia de hoje, de que um homem de 93 anos que trabalhou por dois meses como voluntário em Auschwitz será julgado, ajuda a ilustrar e deixa claro o que a Alemanha pensa do nazismo: ele não é tolerado. Não importa quanto tempo faz que a SS marchou pelas ruas da capital alemã, esse é sim um assunto espinhoso no país e sempre será. Porque o nazismo é uma vergonha que o povo alemão vai carregar (e tem que!) pra sempre. Não existe nada de bom, nenhum exemplo que pode ser tirado de um regime que matou 6 milhões de pessoas. A não ser a lição de que isso nunca pode ser repetir, por nada.

Por isso qualquer pessoa que simpatiza, mesmo que vagamente com o nazismo, é um idiota. E quem tem uma piscina com uma suástica no fundo, mesmo que seja para seu uso privado e “secreto” é um sociopata. Quem defende que a suástica é um símbolo zen, muito anterior ao nazismo não é ingênuo: ou é burro ou é mal-intencionado. É como dizer que, no Brasil, uma estrela não representa o PT ou tucano não simboliza o PSDB porque existem muito antes dos partidos. Quem defende que a privacidade do cidadão foi violada, devia saber como a Alemanha trata seus fascistas modernos: com cartazes pelas ruas, expondo suas caras e suas vidas. Porque a comunidade tem o direito de saber quem são essas pessoas. Mesma razão pela qual o partido NPD (sabidamente nazi!) existe: para que se possa acompanhar, controlar, coibir e desencorajar qualquer engajamento popular a causa.

Pra mim, só existe uma coisa pior que o nazismo: o neonazismo. Porque o nazismo, quando começou, lá em 1933, até se pode alegar que não tinha intensões claras de matar (embora eu não compartilhe essa impressão) e que por isso teve tanto seguidores. O neonazismo não: as pessoas sabem claramente o esgoto moral onde estão se enfiando e fazem questão de chafurdar na m. Neonazismo não tem desculpa: é falha de caráter, desvio moral e, sobretudo é crime e assim é tratado aqui na Alemanha. Se o país que foi responsável – e paga caro por isso até hoje, financeira e moralmente – combate veementemente sua extrema direita, a agressão contra estrangeiros, a discriminação e a xenofobia, só lunáticos pensam que “é um exagero se importar com algo que aconteceu há tanto tempo”.

Minhas idas e vindas aqui na Alemanha me permitiram saber que o sobrenome que carrego esteve nos dois lados da guerra. Há muitos Ebel na lista de soldados alemães que serviram o Reich. Há tantos outros na lista de mortos nos campos de concentração que já visitei (e todo mundo deveria visitar para saber de verdade o que eram!). Essa dicotomia genética, a cor dos meus olhos e do meu cabelo, no entanto, nunca foi razão para que eu sequer deitasse um segundo pensamento pela causa ariana, porque qualquer pessoa com consciência moral o bastante para diferenciar o certo do errado não pode aceitar nenhuma simpatia por qualquer palavra nacional socialista. E a piscina com a suástica pode estar cheia de água, mas não vejo nada além de um tanque de excrementos: igualzinho a quem concorda que essa é uma ideia aceitável. 

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Natal na Alemanha: saudades do tempo em que a neve era de algodão e o Papai Noel suava em bicas


Quando eu era criança, adorava ficar colocando bolinhas de algodão na árvore de Natal, aquele pinheiro que tinha que ser montado no dia 23 pra ainda estar verde no dia 24, tamanho é o calor que faz em Blumenau nessa época do ano. Mas eu achava que aquele algodão era igualzinho a neve e, na minha cabeça, com pouco senso estético, era como ter um Natal branco. Depois de seis anos na Europa, nunca tive um, embora a previsão do tempo sempre me encha de esperança e salve minha árvore dos algodõezinhos.  

Na Alemanha descobri um Natal mais parecido com os contos de fada. Os mercados com seu perfume de amêndoas carameladas e vinho quente temperado. A decoração de bonecos de neve, renas e quebra-nozes, com uma presença pequena do vermelho Noel, frequente no Brasil. O frio, o vapor quente que sai da boca, a mão coberta de luvas para carregar as sacolas com presentes e os ingredientes enjambrados para fazer uma ceia brasileira no outro lado do oceano.

O Natal na Alemanha é o Natal que eu sonhava na minha infância e o Natal da minha infância é o que tem me feito sonhar todos os dias agora. Mesmo que todo o Papai Noel pareça ridículo quando o termômetro marca 40 graus, sinto falta de ver aqueles heróis (e heroínas, algumas vezes!) de algodão colado na cara ou usando aquelas máscaras plásticas de traumatizar qualquer infância, derretendo de calor sob uma touca vermelha. Ando com saudade de suar para limpar a casa e de passar horas cozinhando pratos que nada combinam com a temperatura tropical.


Mas o que eu mais sinto falta, mesmo, são os cheiros. Na semana no Natal, a grama da minha casa sempre era cortada, um zelo de deixar tudo pronto para receber visitas, e quando a máquina picava as folhas, o sol cozinhava tudo e subia aquele cheiro. Melhor que isso, só cheiro de trovoada.  Na casa da minha infância – que era lilás! Ah, quem teve o privilégio de viver em uma casa lilás com verdinho!?!? – o chão era de madeira e se fecho os olhos, o cheiro de cera cremosa passada a duras penas pelo assoalho sobe pelas minhas narinas. Se mistura no ar com o cheiro de óleo de peroba e a cara vermelha da minha mãe, esbaforida, tirando mais uma formada de bolachas do forno.

Sinto falta do cheiro da minha cidade, dos pés ganhando calos das sandálias que batem a rua XV de ponta a ponta em busca dos últimos presentes. Sinto falta dos amigos secretos, dos tantos encerramentos e festas de fim de ano que se tem: da hidroginástica, do clube, da confraria, do trabalho, das amigas... Sinto falta até mesmo dos presentes trocados nesses momentos, que quase sempre eram uma desgraça e rendiam antipatias até o Carnaval.

Lembro de uma vez, em um desses amigos tantos, que fui presenteada com um corte de tecido de viscose estampado, quando tudo o que eu queria era uma imitação de sandália plástica que custava cinco a menos do que o preço acordado. Vai ver meu amigo da época suspeitou de um gosto que eu não demoraria a questionar.

E para piorar essas saudades tantas, esse ano minha árvore jaz em uma caixa, os enfeites em outra e a chance de eles se encontrarem são as menores do mundo. Estou me mudando mais uma vez e, de Natal,  só mesmo os mercados da rua, e sua mesmice impessoal: sem uma árvore montada em casa, a cidade mais parece um showroom de decoração para uma temporada de festas que esse ano não chegou pra mim.

As saudades são enormes, tantas que doem. Poucas vezes tive tanta nostalgia de Natais já idos e nunca antes achei que um Natal suarento tivesse tanta graça. Trocaria qualquer chocolate suíço por uma sombrinha de chocolate Saturno, doce e hidrogenado, que minha mãe pendurava na árvore junto com os papais-noéis e bolas de vidro...



Esse post faz parte do “Coletivo de Natal” do grupo Blogueiros e Blogueiras brasileiros na Alemanha. Para conhecer outros trabalhos sobre a natividade preparados pelos lusófon@s, clique aqui.



quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Alemanha em detalhes: uma visita detalhada aos mercados de Natal, os tradicionais Weihnachtsmarkt


Há quem diga que mercado de Natal é assim: quem viu um, viu todos. É evidente que há muitas coisas em comum entre eles: são 4,5 mil mercados espalhados por toda a Alemanha e que recebem anualmente 180 milhões de pessoas, movimentando cerca de 1,9 bilhões de Euros. Um baita negócio!

Cada mercado tem suas peculiaridades, claro. O primeiro teria sido o de Dresdem, que completa 580 anos de atividades em 2014. Alguns mercados – ou parte deles – tentam manter costumes medievais: serve bebidas em canecas de barro e seus vendedores se vestem com roupas tradicionais. 

Mas alguns itens são obrigatórios em todos os Weihnachtsmarkt da Alemanha: vinho quente, amêndoas caramelas, Lebkuchen e barracas de artesanato ou produtos decorativos. Montados em uma praça com uma grande árvore de Natal ao centro, alguns mercados são mais charmosos que os outros, mas em todos é preciso beber algo quente para escapar do frio. 

Quer saber o que se encontra de Norte a Sul, de Berlim às pequenas cidades? É só conferir as imagens abaixo, feitas em diferentes cidades da Alemanha. É mais ou menos como visitar todos os mercados em quatro fotos e sem nem gelar as mãos!


Uma visão geral:


Barraquinhas de enfeites:


As bebidas quentes:


Doces do advento:


E pra quem ficou querendo mais, basta acessar a página do blog no Facebook. Por lá você encontra links para albuns de fotos com muito mais detalhes dessa época maravilhosa do ano. É só curtir!

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Inverno na Alemanha: sete dicas para turistas ou quem está chegando para enfrentar o frio pela primeira vez


Dias curtos, calçadas lamacentas com neve derretendo e areia grossa usada para evitar escorregões. Vento, termômetros abaixo de zero e nariz vermelho. O inverno na Alemanha pode não ser a época do ano mais convidativa, mas com roupas adequadas é possível aproveitar muito. Já falei um pouco da importância de usar as roupas certas para o frio alemão, já reclamei da neve e também escrevi especialmente para turistas que planejam conhecer a Alemanha no inverno. Mas as dicas que vem agora valem para todos: visitantes ou para quem está chegando para morar aqui. Não basta apenas um bom casaco para encarar o frio. É preciso tomar alguns cuidados para não transformar a temporada de neve em um pesadelo para o corpo.

Tome banhos curtos e não muito quentes – A tentação de deixar a água bem quente correr a vontade pelo corpo é grande. Diferente dos dias gelados do Sul do Brasil, onde os chuveiros elétricos transformam a hora do banho em um tormento, por aqui a água corre quente e em abundância no banheiro aquecido. Mas a água da Alemanha é “pesada”, contém uma quantidade de minerais muito grande – especialmente calcário – e resseca a pele rapidamente. No terceiro ou quarto banho por aqui já começam a aparecer descamações e pequenas rachaduras até. Por isso, quanto mais rápido for o banho e menos quente, menos a pele é agredida. Prefira sabonetes líquidos que ressecam menos.

Use hidratante oleoso pelo corpo todo – Mesmo quem tem a pele oleosa vai notar rapidamente a diferença e precisa se proteger. Uso aqui na Alemanha cremes que sequer vendem no Brasil, tamanha a oleosidade da sua fórmula e só assim para evitar maiores problemas. Dois ou três dias de banho quente sem usar hidratante depois podem ser bem danosos: erupções cutâneas como brotoejas podem aparecer, coceiras e ardor também. É importante tomar cuidado.

Invista em uma boa luva – As luvas de lã que são vendidas no Brasil ou que se encontra em qualquer lojinha de 1 Euro, pouco ou nada adiantam. Vale a pena investir em uma luva de couro ou mesmo em uma de esqui, forrada e impermeável. Aliás, se não tiver uma assim, tentar fazer um boneco de neve pode ser uma brincadeira bem dolorosa. A neve queima os dedos e as luvas vão ficar molhadas, piorando ainda mais a situação. Na hora de comprar um casaco, observe ainda se os bolsos são forrados, o que vai ser bem útil durante as caminhadas para ver a cidade.

Compre palminhas de lã – Calçados de sola fina deixam o frio subir e pés gelados trazem muito desconforto. Por isso, quando for comprar botas, prefira aquelas com solado de borracha grosso, com boas travas para não escorregar na neve. Além disso, compre um número que não fique tão justo e acrescente uma palmilha de lã (custam 1 ou 2 euros em lojas de produtos Made in China ou lojas de cosméticos com o Rossmann ou a DM). Elas geralmente são de tamanho único e vem com marcas para recortar conforme o tamanho do pé. Não esqueça que os sapatos na Alemanha têm uma numeração diferente: quem calça 36 no Brasil, vai usar 38 aqui. Isso vale para mulheres e homens.

Carregue uma meia seca na bolsa – Mesmo sapatos impermeáveis não garantem pés secos o dia todo. O próprio suor do corpo pode se condensar no sapato, especialmente nas pontas e deixar os dedos bem gelados. Por isso, carregue sempre um par de meias secas na bolsa e, se os pés gelarem, pare em um lugar quente e, quando tiver a oportunidade, coloque meias secas. Além da sensação desagradável, os pés frios podem ser um convite para um resfriado.

Não desespere se o nariz sangrar – O aquecimento resseca o ar dos ambientes e uma boa dica é manter umidificadores no quarto. Nem sempre os hotéis têm isso e é normal as pessoas terem pequenos sangramentos nasais nessa época do ano. Isso porque o ar seco provoca pequenas rachaduras dentro do nariz, que sangram. Para evitar – e aliviar! – essa situação a medida é bem simples. Passe em uma loja de cosméticos como Rossmann, DM, Müller e outras do tipo e, na estante dos medicamentos, junto aos sprays para o nariz, compre um tubinho de Nasen Heilsalbe. É uma pomada que vem em um tubo pequeno, a base de dexpanthenol, que protege a cavidade nasal do ressecamento.

Não tente ser o valentão e aguentar o frio – Sempre que sentir frio, busque abrigo. Lojas, mercados, cafés e mesmo o transporte público são aquecidos. Faça uma pausa a cada hora ou mesmo em intervalos menores: se aqueça e beba algo quente para só então retomar a aventura. Não tente ser “forte” em um dia gelado e insistir em andar na rua se não estiver agasalhado apropriadamente. Um dia de “coragem” pode significar o fim das férias, com vários dias de cama e de molho para se recuperar.



sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Natal na Alemanha: seis coisas absolutamente inúteis que você pode comprar pelo correio


Eu adoro o Natal e já escrevi bastante sobre ele aqui no Blog. Já dei receitas de todas as bebidinhas deliciosas dessa época, falei dos mercados aqui na Alemanha que são um encanto, ensinei a fazer Flammkuchen, uma comida bem típica das barraquinhas nos dias gelados. Também entreguei o segredo de como fazer em casa as amêndoas carameladas e meu biscoito favorito, o Vanillekipferl!

Mas hoje eu quero falar de outra coisa. Acabei de receber em casa um catálogo de produtos de uma empresa chamada Pearl. Uma pérola, sem dúvida! Em alguma das centenas de vezes que comprei coisas pelo E-bay devo ter comprado dessa loja e tcham: sou agraciada todos os meses com um livro que parece um festival dos horrores. Só me sinto menos culpada porque o papel vai para a reciclagem.

Enfim... Chegou o tal catálogo com um especial de Natal e fazia tempo que não via nada tão engraçado. É tão bom que resolvi compartilhar as seis coisas mais bizarras que você não precisa para o Natal.

Uma bola de Natal cantante – Claro, você decora sua árvore e entre todos os penduricos e afins, coloca uma bola de plástico com uma cara desenhada nela, dotada de um sensor de movimento que desata a cantar cada vez que alguém se mexe na sala. Mais divertido do que isso só mesmo colocar um daqueles apitos de entrada de loja do interior na estrela – blinnnnnnnnnnnnnnnblonnnng – e ter certeza que ele anuncia cada vez que alguém levanta do sofá.

Uma bola de Natal USB – Nem todo mundo gosta do delicioso som de um speaker rouco pela casa (tin tin tin, tin tin tin, tin tin tin tin tinnnnnnnn) e para essas pessoas que não vão comprar a bola que canta, a novidade do ano é uma bola de Natal com um display digital de 3,8 centímetros para exibir as fotos da família na árvore. Que lindo! Até 70 fotos ficam em destaque nos menos de 4 centímetros cercados por dois metros de árvores, bolas, laços e luzinhas por todos os lados. Se minha mãe tivesse uma assim nunca mais ia sentir minha falta no Natal!

Uma vela a bateria – Até não me parece tão mal uma vela com um LED para um reino de desastrados. Mas essa vai além: ela tem um movimento realista da chama, conforme o catálogo. Tudo o que eu pude imaginar é, naquele minuto de silêncio que sempre ocorre nas conversas, em vez do crepitar do fogo se escuta o motorzinho da vela fazendo nhóim, nhóim, nhóim... Ainda bem que desliga com o controle remoto.

Um pinheirinho que canta e dança – Um não, dois! Dois lindos modelos de pinheirinho que cantam e dançam suas canções natalinas favoritas. Estou tão emocionada que nem posso falar mais sobre isso...

Um boneco de neve inflável – Mas não só isso. Um boneco quase humano: além do brilho próprio – fornecido por duas lâmpadas em seu interior, a criatura de 1,80 treme de frio! Oh! Imagina que lindo, em vez de nhóim, nhóim, nhóim ter um objeto vibrador de quase dois metros no quintal...

Uma toca que canta e dança – Claro, porque não?!?!? Obviamente você precisa primeiro comprar essa roupinha ma-ra-vi-lho-sa de mamãe Noel e pagar o mico do ano saindo do banheiro vestida assim para surpreender sua cara-metade com três primos e dois tios ainda meio bêbados na sala! Por que claro, vestir-se com a temática de Natal é o que há de mais sexy. Mas para fechar a noite de amor, não esqueça de comprar a toquinha e entre fazendo um strip-tease ao som de Jingle-bells, tocado pela própria toca, claro, enquanto a coisa vermelha se contorce na sua cabeça. Será que vem com luzinha no pompom? Vai ser uma noite quente...

E de brinde a sétima, que não é natalina mas pode garantir um ano inteiro de bizarrice:


Peixe de um metro e meio cheio de gás hélio e dirigível por controle remoto. Como eu nunca pensei nisso antes!?!?!?! Já sei o que pedir pro Papai Noel...

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Doutorado na Alemanha: passo-a-passo para conseguir uma vaga, um orientador e uma bolsa de estudos

Bremen: clima ruim, mas uma boa universidade em uma cidade charmosa

Fazer doutorado na Alemanha pode ser uma grande vantagem, uma vez que o ensino por aqui é gratuito, salvo as poucas universidades privadas do país ou alguns cursos muito específicos. O dinheiro do financiamento que se recebe serve para pagar as despesas de moradia e subsistência. Além disso, para os padrões europeus, a Alemanha (exceto do Sul!) é um país bem barato. Esse post detalha os passos para quem pensa em fazer doutorado por aqui. Por isso, antes de enviar qualquer pergunta, leia atentamente.

É preciso dizer que para os brasileiros ficou ainda mais fácil chegar ao doutorado com as bolsas do programa Ciência sem Fronteiras (CsF). Antes, a seleção toda dependia de um convênio entre Capes/Cnpq/Daad, com chamadas anuais e que, em média, concediam cerca de 60 bolsas de doutorado pleno. Essas bolsas ainda existem e contemplam também áreas que estão fora do CsF.

É possível participar dos dois processos seletivos ao mesmo tempo. Uma coisa é independente da outra. Se a sua área não for diretamente engenharias ou computação, fique atento a uma área do CsF que se chama Indústria Criativa: uma série de projetos de moda, design, comunicação e outras áreas distantes da engenharia encontram abrigo ai e, com isso, podem se encaixar no escopo do programa.

Quanto a língua, é preciso ter proficiência pelo menos em inglês. Obviamente não dá para chegar no país sem se comunicar com o professor e sem ter uma língua de trabalho. As universidades aceitam Toefl ou Ielts, além de outros exames de proficiência. As duas bolsas (Capes/Cnpq/Daad e CsF oferecem curso de alemão por um período de um a seis meses antes do início da bolsa, conforme a necessidade do aluno). Para estudar em alemão, exceto na área de Direito, onde a exigência de língua é maior, é preciso ter o TestDaf ou o DSH2 equivalentes ao avançado (C1). No período do curso de alemão recebe-se moradia (indicada pela escola de alemão), curso e uma ajuda de custo financiada pelo Daad. A bolsa de doutorado propriamente dita inicia depois do curso de alemão.

Os tipos de doutorado

Em primeiro lugar é preciso ainda decidir o que se quer fazer aqui: um doutorado integral (de três a quatro anos) ou sanduíche, que é um ano fora quando já se está matriculado no doutorado em alguma universidade brasileira. Se o doutorado for integral, existem quatro possibilidades. O site do Daad também tem dicas importantes.

Programa de doutorado: são raros na Alemanha. São cursos de doutorado como no Brasil, com cadeiras estruturadas, para os quais deve se fazer a inscrição no processo seletivo diretamente na universidade, observando as exigências, datas e prazos de cada uma. Mas note bem: nunca conheci ninguém que fizesse doutorado assim aqui.

Posição de pesquisador: Para essa você não precisa ter uma bolsa. Trata-se de um contrato de trabalho como assistente de pesquisa em uma universidade, geralmente em algum projeto pré-existente. Nesse período de trabalho, o doutorando desenvolve sua pesquisa em paralelo, geralmente relacionada ao projeto em que trabalha. Muitas universidades europeias oferecem posições assim e é fácil encontrar vagas nesse site, nesse e nesse outro ainda.

Doutorado em empresa: Um professor doutor vinculado a alguma universidade orienta o estudante durante uma pesquisa feita diretamente na indústria, com objetivos práticos relacionados a empresa que remunera o doutorando.

Pesquisador livre (Promotion): É a modalidade mais comum de doutorado por aqui. É um acordo entre o professor e o aluno e as regras são estabelecidas nessa relação. São as vagas mais fáceis de se conseguir e as que funcionam melhor junto com o financiamento das bolsas brasileiras. Segue uma explicação mais detalhada de como funciona o acordo.

Como encontrar uma universidade e um orientador

Escrevo como foi a minha abordagem, mas podem existir outras maneiras: a parceria entre universidades, um professor como contato, etc. Bem, fiz sozinha um projeto inicial do que me interessava trabalhar no doutorado e procurei, na Alemanha toda, professores que pesquisassem o tema. A grande maioria tem o curriculo on-line. Observe sempre que para doutorado tem que ser uma Universität (e não uma Hoschule ou Fachhoschulle, que são técnicas!) e obviamente o professor tem que ser doutor (há professores que não são por aqui).

Depois dessa busca, selecionei doze professores que poderiam me orientar e enviei a eles um email me apresentando, falando da minha ideia de pesquisa (dois parágrafos, não mais! Para ter certeza de que leriam!) e dizendo que não estava procurando bolsa, já que poderia contar com financiamento de bolsa do Brasil. Dos 12, um disse que tava se aposentando, outro sugeriu um colega mais na área e DEZ disseram que aceitariam me orientar e pediram para mandar mais detalhes de projeto, curriculo, minhas notas, etc.

Na sequência, dei uma melhor selecionada pela universidade, pela região que queria morar e então agradeci os demais e escolhi um. Esse professor te da uma carta de aceite: nela ele diz que, caso você consiga a bolsa, ele aceita ser o teu orientador. Isso basta para se inscrever nos editais. Ai é torcer para que o projeto esteja bem feito e que seja aprovado pelo comitê de seleção das bolsas no Brasil.

Já com a bolsa, a matrícula na universidade

O segundo passo é dentro da universidade alemã: o professor vai sugerir ajustes no projeto (ou não!) e vai encaminhar ao PhD comitê da universidade. Esse comitê se reúne três ou quatro vezes ao ano, não mais. Esse comitê avalia o projeto e diz se o aluno pode ou não se matricular, se terá ou não que cursar disciplinas como formação complementar.

Caso seja negado, nada de desespero: é preciso refazer ou ajustar o projeto para a próxima reunião. Isso não é um problema para a bolsa: uma carta do seu professor dizendo que você já está trabalhando é o bastante para que os pagamentos sejam efetuados. Depois da aprovação do comitê, você é autorizado a se matricular como PhD Candidate na universidade (algumas faculdades têm uma modalidade especial de matrícula que é de Perspective PhD Candidate: isso permite a matrícula de quem ainda está fazendo os ajustes no projeto, por exemplo, mas garante benefícios de estudante e visto enquanto ainda está aguardando a aprovação do comitê).

A forma como se vai trabalhar - se o aluno vai ter uma sala na universidade, se vai usar a biblioteca, se vai trabalhar de casa - é definida entre aluno e professor, bem como a periodicidade dos encontros. As regras podem variar um pouco em cada universidade, assim como a lista de documentos exigidos para a matrícula, prazos e afins. Mas em um resumo bem geral é assim que funciona o processo.

Outras bolsas de estudo para brasileiros

Mas as bolsas para doutorado não se resumem a Capes/Cnpq/Daad e CsF. Brasileiros podem se candidatar a uma série de outros financiamentos oferecidos por instituições alemãs e internacionais. Mas ai, nada como usar o bom e velho Google, né! :)



sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Turismo em Berlim: dicas para se hospedar barato na capital da Alemanha

 

Estou empacotando a vida mais uma vez: vou voltar a viver em Berlim, cidade pela qual eu morro de amores, mesmo com o desgaste que isso traz. E explico o porquê. Quem vive em Berlim sabe bem o que é ter sua casa transformada em um hotel. Na primeira vez que vivi na cidade, organizamos um calendário para dar conta de acomodar as visitas: em vários dias, saia uma pessoa de manhã, chegavam duas a tarde.

Não me entenda mal: eu adoro receber visitas, mesmo. Mas gosto de receber as visitas com tudo o que elas têm direito: cozinho pra elas, deixo toalhas cheirosas, lençóis limpos e quero ter tempo de passear com elas pela cidade, de conversar. Mas eu tenho uma vida também. Eu trabalho de casa e não ter um horário a cumprir não significa que eu não tenha muito o que fazer. Não posso abrir mão do calendário todos os dias para receber alguém.

Sei que muito mais gente passa por isso e dá de cara com aqueles que não entendem porque eu não tenho uma reação de felicidade extrema quando fico sabendo que o amigo do meu amigo (que provavelmente é um cara gente boa pacas!) está vindo pra cidade. Ou porque prontamente não ofereço hospedagem para aquele colega do segundo grau (sim, na minha época era segundo grau!) que nunca falou comigo nas últimas décadas.

Pois bem. Terminado o muro de lamentações, eu quero deixar duas coisas bem claras: primeiro, se você é meu amigo de verdade eu vou fazer questão de te receber e pode vir sem ter vergonha, porque se fiz o convite, foi sincero. Se você é meu amigo de verdade e eu não te convidei para ficar na minha casa, pode ter certeza que fiz isso com o coração partido, mas não pude receber você naquele momento. Se você é meu amigo de verdade, vai entender que não posso hospedar aquele SEU amigo de verdade, sua prima, o vizinho da sua mãe. E por isso fiz uma listinha de opções de hospedagem que cabem no bolso de todo mundo que decidiu incluir Berlim no seu roteiro de Europa mágica.

Sites para reservar hotéis: eu costumo usar o Booking. Para quem quiser tentar outras alternativas, tem um post bem interessante aqui, com sites pra economizar na reserva.

Hotéis baratos: Em Berlim tem um Easy Hotel. É a versão hoteleira low cost, e não por acaso é da mesma rede da aérea Easy Jet. Funciona bem para casal: um quarto minúsculo, mas muito limpo. Um micro banheiro com chuveiro (tudo de vidro, sem muita privacidade) dentro do quarto, mas com preço de hostel (ou mais barato!). Ficamos lá varias vezes, quando vamos a Berlim: a gente sabe que nem sempre os amigos podem nos receber! A cadeia de hotéis Ibis Budget segue o mesmo esquema, mas com uma porta de banheiro opaca que garante um mínimo de dignidade para quem vai fazer o número dois.

Hostel: Não sou muito fã desse tipo de hospedagem. Acho que já passei da validade. Mas se o quarto for só para duas pessoas, até não me importo em dividir o banheiro se for por uma noite ou duas. O próprio site do Booking localiza hostel também. Uma rede famosa de hostel é a A&O, embora eu pessoalmente nunca tenha experimentado. Se alguém tiver uma dica melhor nesse quesito, é só comentar que adiciono aqui! 

Atualizando: Me hospedei no A&O que fica nos fundos da Estação Central de Berlim nos 25 anos da queda do Muro e, apesar do hotel/hostel estar bem cheio, o quarto que ficamos (na parte que é hotel - ou seja, com banheiro privativo e uma cama de casal) estava silencioso. As cortinas são finas e pequenas, mal cobrem a janela. Essa é minha única observação negativa. Não tomei café da manhã por lá.

Airbnb – Atualmente é o meu queridinho. O Airbnb é um site que faz o meio de campo entre quem tem uma casa, um quarto ou uma cama para alugar e quem precisa de um canto para dormir. Todas as experiências que tive até agora foram ótimas, mas para isso é preciso ler com cuidado todas as avaliações feitas pelos outros usuários. Funciona assim: você faz um cadastro, cria um perfil e começa a procurar o que precisa. Eu gosto de alugar o apartamento inteiro, o que significa ter uma cozinha para o café da manhã ou mesmo para o jantar, se quiser economizar um pouco. Mas é possível alugar só um quarto, com a família na casa ou mesmo só a cama em um quarto. Os preços variam conforme a localização, os serviços oferecidos. É um baita negócio pra ambas as partes. Mas lembre-se: não é uma reserva de hotel. Você precisa ser simpático – e aos poucos construir uma reputação pelas avaliações que recebe – para convencer o dono da casa a te receber.

Couchsurfing e Hospitality club: os dois sites funcionam da mesma forma. Você entra, fala com as pessoas, pede hospedagem e, com sorte, acha alguém que queira te receber, de graça, em casa. Como a coisa toda não envolve dinheiro, é preciso sorte e simpatia para assegurar um colchão na sala. É a forma mais barata de viajar, dá para conhecer muita gente bacana, mas em cidade turísticas pode ser mais difícil de conseguir espaço. Mas sempre vale tentar.

Para fechar, é obvio que em Berlim existem hospedagens de 20 a 2000 euros (provavelmente mais, mas eu nunca pensei muito no assunto!). Eu, particularmente, não procuro muito luxo quando saio por ai. Quero comodidade, segurança e bom preço – e usar o dinheiro economizado para viajar mais! Em todas as cidades da Europa que já visitamos – e Berlim não difere muito – uma hospedagem para casal em um lugar limpinho e bem localizado (o que pode significar ser perto de um metrô!), com banheiro privativo, sai entre 50 e 75 euros. Em Berlim eu sugiro ficar nas imediações do Centro (Mitte, Tiergarten, Moabit, etc) ou no coração da balada, em Prenzlauer Berg, por exemplo. De qualquer forma, o transporte da cidade é bastante eficiente, mesmo a noite. 

Se quiser uma dica do que fazer na cidade, escrevi um post bem completinho com um roteiro de três dias. Para quem não sabe o que comer, opções baratas e saborosas nesse post! A hashtag Berlim aqui do Blog tem vários posts interessantes pra conhecer tudinho da capital alemã. Boa procura e boa estada em Berlim!


sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Desafio do turismo sem viajar: para aprender a ver o mundo é preciso conhecer a própria vizinhança

Novos olhares: viajar pode ser simplesmente olhar pra fora da janela

Viajar é quase um vício. Quanto mais se anda por aí, mais se percebe a imensidão do mundo. Quem gosta de viajar passa o caminho de volta inteiro planejando a próxima viagem. Existe uma expressão em alemão que eu gosto muito e que define esse sentimento: Wanderlust. Wander, em alemão, é caminhar, fazer uma trilha, bater perna por ai. Lust é vontade, ânsia por alguma coisa. Juntando tudo, é quase como um desejo de sair por ai, sem rumo certo, sem saber o que vem pela frente. É um desejo forte de ver o mundo. 

Mas viajar não significa ir longe e nem ter muito dinheiro. Viajar é, sobretudo, uma questão de olhares e por isso queria lançar o desafio de ser turista por um dia em sua própria cidade, aproveitando para celebrar o Dia Mundial do Turismo (27 de setembro).

É simples assim: escolha um dia de folga. Um domingo, de lojas fechadas, ruas tranquilas. Coloque um calçado bem confortável, pegue a máquina fotográfica e saia para turistar pelas ruas do Centro, onde se passa todos os dias. A ideia é olhar e ver. Ver com a alma e depois compartilhar com os amigos o que se viu: em blog, no Facebook, no Istagram. Que tal usar a hashtag #TurismoSemViajar e #DeVoltaANaveMãe!??!

Desde que viemos morar na Alemanha essa tem sido uma tarefa bem comum em todas as cidades que moramos. Quando recebemos visita, fazemos os passeios turísticos da cidade. Vamos às ruas principais, aos museus, à prefeitura: e sempre me sinto feliz em fazer isso, porque sempre vejo uma coisa que não tinha visto antes.

Claro que em algumas cidades há mais coisas para ver do que em outras, mas a ideia do desafio é olhar a própria cidade com o olhar de turista. Antes de sair, de uma lida no site de turismo da cidade. Espie a Wikitravel. Vale até comprar um guia turístico ou imprimir as páginas com explicações sobre os prédios históricos, os monumentos, aquelas estátuas que a gente sempre passa na frente e nunca vê.  Passe o dia caminhando, curtindo, como se fosse uma cidade nova. Sem pressa e deixando que os olhos vejam aquilo que nunca tem tempo de ver.

Faço isso sempre aqui em Weimar. Tento passar por ruas diferentes, mesmo que isso adicione 200 metros a mais no meu caminho. E sempre encontro surpresas. Mas turistei também na última vez que fui a Blumenau, minha cidade natal. Claro que tem muito a ser feito – ver a cidade com os olhos de turista permite entender que imagem os visitantes levam dela. Mas mais do que isso: é sentir o prazer de viajar sem ter que pegar um avião.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Turismo seguro: oito dicas simples que descomplicam qualquer viagem pelo mundo

Alvo fácil: bolsa aberta, para trás, em um transporte público lotado

Viajar o mundo tem suas técnicas e muitas delas aprendi a duras penas: errando! Já carreguei malas enormes e cheias de coisas inúteis pensando em “talvez eu queira usar isso ou precise daquilo”. Mas com o tempo e a experiência de ter percorrido mais países do que os dedos permitem contar, algumas coisas muito simples se tornaram regras. Pode até parecer óbvio, mas observar essas regrinhas pode fazer toda a diferença. Por que um calo no pé, uma câmera roubada ou uma indigestão podem transformar qualquer viagem de sonho em pesadelo.

Calçado: O melhor calçado para viajar é um tênis (velho) confortável. Havaianas podem ir na mala para os dias desesperadoramente quentes, mas ainda assim é preciso avaliar. Os destinos europeus geralmente são “limpos”, mas há cidades em que ratos, cães, gatos e toda a sorte de animais vive pelas ruas. Assim, calçados abertos facilitam o contato com excrementos e podem ser uma porta aberta para doenças. Sapatilhas e botas baixas podem ser úteis, mas mesmo um corpo jovem e em forma pode sentir o impacto na coluna e nas articulações depois de dez ou doze horas de caminhada. Quem inventou solados com sistemas de absorção de impacto não sabia o bem que estava fazendo para quem tem a síndrome do pé na estrada.

Água da torneira: Pergunte aos locais sobre a água. Se as pessoas da cidade bebem água da torneira, você pode arriscar também. Mas desconfie de qualquer sinal de hesitação na resposta e prefira água mineral. O problema não está geralmente no tratamento da água, mas nas condições dos canos que fazem a sua distribuição e na (falta de) higiene das caixas de armazenamento. Em Roma, por exemplo, existem fontes de água potável pela cidade inteira. Todo mundo bebe e se refresca nelas sem medo. Então, vá sem medo. Mas pense que, na dúvida, é melhor gastar uns trocados a mais com água e uns a menos com remédios para diarreia.

Remédios: Aliás, leve sempre uma farmacinha junto. Nem sempre é fácil explicar para o vendedor da farmácia que não fala uma palavra de inglês o que se está procurando. Já tentou pedir gaze em grego? Só consegui na terceira tentativa. Na farmacinha é bom ter spray antisséptico, curativos (para os calos!), remédio pra dor de cabeça, um digestivo e um para diarreia. Eu levo sempre omeprazol também, por que a comida mais apimentada de alguns países pode afetar estômagos mais sensíveis. Claro que para as emergências é preciso acionar o seguro de viagem, mas coisinhas simples podem ser resolvidas rapidamente com um pouco de planejamento.

Bolsa: A melhor bolsa para fazer turismo é o modelo carteiro com zíper.  Aquelas com uma alça que atravessa o tronco. Regule a alça um pouco mais curta, de forma que a bolsa fique na altura do ventre, use SEMPRE para frente e aproveite as férias. Isso vale para homens e mulheres. Assim, dá para ficar com as mãos livres – o que garante fotos melhores! – e evitar furtos. De um modo geral, a Europa é segura, mas batedores de carteira estão em todos os lugares onde há aglomeração turística. E nunca, nunca deixe a bolsa aberta nem por um minuto. Mochilas nas costas também podem ser perigosas. Existem vários golpes em que uma pessoa distrai você e a outra rouba objetos da mochila. 

Taxi: Os principais destinos turísticos costumam oferecer uma infraestrutura de transporte eficiente. Usar trens, metrô, ônibus pode ser tão interessante quanto visitar um ponto turístico. É uma forma de ver e entender como as pessoas vivem, é a chance de ter contato com a vida real do lugar. E mais que isso: é uma forma muito eficiente de evitar ser enganado. Porque podem até existir taxistas bacanas no mundo, mas a má fama da categoria tem lá suas razões. Com minha eterna cara de turista (mesmo no Brasil!), sou o alvo preferencial. Evito sempre os taxis, mas quando tenho que usar, fico de olho. Primeiro, sempre vejo o mapa da cidade em casa. Depois, costumo traçar o caminho no Google maps para ter ideia de direção e distância. Depois, pergunto o preço – ou quanto daria, mais ou menos, de A a B. Alguns Apps permitem simular o preço de uma corrida também e dá para perceber se o valor pedido está dentro do esperado. Em alguns casos, vale negociar uma tarifa fechada.  Por fim, quando tenho internet 3G, deixo o taxista ver que estou acompanhando o percurso pelo GPS do celular. Pode parecer paranoia, mas depois de ser enrolada várias vezes, essas táticas de “guerrilha urbana” têm me safado de maiores chateações.

Roupas básicas: Esqueça o modelito da moda, os saltos, os enfeites todos. Roupa de viagem tem que ser prática e confortável. Assim, prefira peças quem combinem entre sim, com cores bem básicas. Uma calça – ou bermuda – geralmente encara mais de um dia de jornada. Uma camiseta por dia tá de bom tamanho. Um casaco leve (conforme a temperatura). Se for viajar no inverno, leve apenas um casaco bom. Ninguém vai reparar que roupa se está usando e é muito comum na Europa as pessoas usarem um mesmo casaco o inverno inteiro.

Moeda local: Depois da implantação do Euro, viajar pela Europa ficou muito mais fácil sem a preocupação de cambiar moedas a cada troca de país. Mas muitos destinos populares no Velho Mundo têm sua moeda própria, embora seja comum encontrar restaurantes, hotéis e mesmo atrações oficiais que aceitem Euro. Mas isso é uma furada. O câmbio desses locais é uma piada e pagar em euro significa, geralmente, pagar 20, 30% mais caro. O ideal é fazer um cálculo do quanto se planeja gastar e fazer o câmbio apenas uma vez, para não pagar muitas taxas. Para quem usa cartões de débito europeus, o saque nos países fora da zona do Euro pode ser até mais barato que a taxa da casa de câmbio. Mas meu preferido mesmo é o Visa Travel Money (não, eles não patrocinam o blog! Ehhe), que pode ser usado como cartão de débito nas máquinas da bandeira Visa e permite saques com taxas justas, em moeda local, no mundo inteiro.

Bateria e cartão extras para a câmera:
Tudo bem que o celular hoje em dia quebra um grande galho e todo mundo acaba tirando muitas fotos de viagem com eles, uma vez que as câmeras têm cada dia mais resolução. Mas eu nunca viajo sem uma câmera na bolsa. Uma não, duas na verdade. Uma maior, com um pouco mais de resolução e uma bem portátil, para “roubar” fotos onde nem sempre é possível sacar a câmera grande. Mas isso é exagero meu. A dica mesmo é investir em duas coisas: um cartão de memória extra e uma (ou duas!) baterias de reserva. Por que em alguns lugares é impossível parar de fotografar. E mesmo que eu saia do hotel com a bateria da câmera carregada, corro o risco de ficar sem ao longo do dia. Assim, sempre tenho uma bateria extra (carregada, claro!!) na bolsa. E outra coisa: esqueça a síndrome do filme, quando a gente tinha que pensar muito antes de apertar o botão. Fotografe muito, faça mais de uma foto da mesma cena, tente diferentes ângulos e regulagens da câmera (mesmo das pequenas!). Quando se faz uma única foto, não dá para chorar depois se ficou tremida ou se a ponta da torre foi cortada. Afinal, não tem como prever se a gente vai ter a chance de voltar ao mesmo destino... 

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Compras na Alemanha: seis coisas esquisitas que você só vai encontrar em um supermercado alemão


Fazer compras em um supermercado na Alemanha é uma experiência bem diferente do Brasil. Até mesmo os produtos mais básicos diferem. Enquanto no Brasil aparecem sacos de arroz gigantes e em profusão, na Alemanha o espaço é das batatas. Por aqui, nada de feijão ou farinha: esses são artigos que só se acha em mercados africanos, asiáticos ou especializados em comida importada.

Mas algumas coisas fazem a experiência de ir ao mercado aqui única, a começar pelo cheiro. Esse eu não explicar e nem descrever, mas cada vez que entro no mercado sei que estou na Alemanha. Nas prateleiras também existem coisas muito peculiares que só se encontram por aqui (ou em Blumenau (SC)! Mas como eu digo sempre, Blumenau é mais alemã que a Alemanha, então não conta!). Fiz uma listinha das coisas esquisitas peculiares que se vê por aqui:

Mett – Esse foi um dos meus primeiros sustos na Alemanha. No Brasil, a gente aprende desde a terceira série que a carne de porco tem que ser bem passada ou pode transmitir esquistossomose e outras doenças. Por aqui as enfermidades tropicais não fazem parte das preocupações e os alemães comem carne de porco assim, crua. É a versão do bife tartar feita com carne suína, moída e temperada. Se come com pão, no café da manhã e é tão popular que toda a cantina de universidade vende. Confesso que tive nojo na primeira olhada, mas provei e aprovei. Hoje em dia até faço em casa.

Rollmops – Como eu cresci em Blumenau, Rollmops lembra a minha infância. Não que eu comesse isso: mas o embrulho no estômago que me dava de ver os enrolados de peixe cru se desfazendo em um vidro cheio de vinagre no balcão da vendinha da esquina. Por aqui é uma comida comum e feito com arenque (no Brasil se usa sardinha) e está disponível em potes de todos os tamanhos, com cebola, sem cebola, com temperos diversos. Nunca provei. Não planejo provar.

Sülze – É uma gelatina salgada feita, geralmente, a partir do cozimento da cabeça do porco com as carnes da carcaça do crânio. Parece uma descrição horrenda, mas depois de superar a textura estranha, o sabor é bom. É um caldo de carne (de porco), temperado com especiarias e que endurece em volta de pedaços de carne. Há ainda a versão fatiada, para comer no pão, com variações de frango ou até vegetais. Eu gosto bastante, mas nunca achei outro entusiasta para me acompanhar na degustação.

Ovo cozido – Já contei aqui no blog que, na Páscoa, os alemães não costumam comer ovos de chocolate. A tradição é procurar e saborear deliciosos ovos de galinha cozidos. E eles são vendidos o ano inteiro, com as cascas coloridas. Em casa a gente sempre teve milhares de pudores com os ovos (no bom sentido!) e achava que em qualquer meia-hora fora da geladeira eles se transformariam em um foco de salmonelas, mas por aqui a visão é diferente. Ovos cozidos não são refrigerados e tem 
uma validade bem longa.

Chocolate pro pão – Alemão adora Nutella e suas marcas genéricas. Tem até uma que era fabricada já na época da antiga AlemanhaOriental, a Nudossi. Eu acho mais saborosa, menos doce e com mais avelã, mas há quem prefira a receita tradicional. Mas tradicional mesmo por aqui não é nada cremoso: são fatias finas de chocolate para colocar no pão. E na versão branca e preta. Alguém se habilita a provar!?


Suco de Sauerkraut – Essa é, sem dúvida, a pior coisa comestível que se vende no país. Achei que provar fazia parte do aprendizado e por isso divido a história para que ninguém mais faça isso. O suco de chucrute nada mais é que o caldo que sai quando se espreme o repolho que azedou em um pote com sal. E olha que eu gosto de chucrute, mas o suco é intragável. 

sábado, 6 de setembro de 2014

Alma em luto: as canções neonazistas que ecoam pelas ruas de Weimar


Hoje aconteceu uma daquelas coisas que fazem a gente morrer um pouquinho por dentro. Daquelas que entristecem a alma. Estou meio de luto apesar do sol que faz lá fora.

Weimar está lotada de turistas – alemães, que constituem a maioria dos visitantes – aproveitando o último calorzinho do ano. A rua cheia, músicos tocando por todos os lados. Parei na maior livraria da cidade para ver uns cartões postais – sim, eu ainda envio postais – e escuto um músico que sempre vejo na rua: um visual punk, cabelo moicano pintado de azul.

Já tinha visto o cidadão acompanhado de amigos usando as marcas de roupa preferidas dos neonazistas, mas (ainda) concordo com o benefício da dúvida. Só que dessa vez, quando parei para ouvir o que ele cantava – em ritmo de um bom rock dos anos 70 – fiquei sem chão.

As palavras de ódio das estrofes eu esqueci, mas o refrão segue martelando na minha cabeça: “todos os judeus são porcos, seja nazi”. Nem escrevo isso em alemão pra não ver esse blog visitado por acidente por militantes de direita em busca de companhia.

Assim, em plenos pulmões, no meio da rua ele cantava essas palavras. E as pessoas passavam e atiravam moedas. Quero dar a essas pessoas também o benefício da dúvida e crer que deram o dinheiro porque não ouviram o que ele cantava.

Fiquei chocada. Sai de perto, voltei pra ter certeza. Liguei pra polícia. Bom, na verdade fiquei tão nervosa que liguei pro bombeiro. Ai falei tudo. O bombeiro me deu o número da polícia, claro. Liguei de novo, contei tudo de novo, quase chorando de raiva. Dei meu nome e fiquei por perto, mas não muito perto.

Em cinco minutos a polícia chegou e parou exatamente onde eu estava. Me identifiquei e me escondi em uma curva da rua para que os nazis não me vissem falar com os policiais: no fundo eu tenho medo. Eu vejo esses acéfalos todos os dias na praça principal da cidade bebendo e cantando (provavelmente as mesmas músicas) e isso fica a dois minutos da minha casa.

Os policiais chegaram até o “cantor” enquanto ele fazia uma pausa. Não fiquei pra ver o resto da 
conversa, mas não consigo crer que ela mude algo. Já li em jornais e fóruns que o chefe de polícia do Estado da Turíngia seria ligado ao NPD, o partido fascista. Mas não encontrei nenhum documento provando isso em uma procura superficial. Então, ele também tem o benefício da dúvida.

Deixei com os policiais meu número de identidade, meu endereço, meu telefone. Deixei com eles minha (pouca) esperança de que alguma coisa aconteça e que essa gente seja proibida de cantar essas atrocidades. Eu respeito a liberdade de expressão, mas como diz um dos slogans das campanhas antinazista por aqui, fascismo não é uma opinião, é crime.

Não foi a primeira vez que aconteceu algo assim comigo. Mas vou passar o dia trancada em casa, de luto até, digerindo e esperando que amanhã faça sol novamente para eu olhe outra vez para a cidade com olhos gentis. 

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Compras na Alemanha: uma espiada em como funcionam os supermercados


Tarefas cotidianas simples – como ir ao supermercado – podem ser desafiadoras quando se está em um país diferente. Primeiro porque os produtos e marcas são outros. Depois, porque rótulos e etiquetas estão no novo idioma e, por fim, se este país for a Alemanha, ir ao mercado requer velocidade. Há várias que os alemães fazem diferente na hora das compras. Já escrevi em detalhes sobre a aventura de ir às compras, mas nunca é demais dar uma espiada em três diferentes tipos de comércio: dois supermercados e uma loja de cosméticos e produtos de limpeza.

Vale lembrar que os dois supermercados são bem diferentes. O primeiro é um Aldi, que entra na categoria de discounters. Esse tipo de supermercado – onde ainda entram outros como Lidl, Netto, Penny, Norma – são bastante baratos, mas tem uma variedade menor de produtos. Muito do que vendem tem marcas próprias, mas pode comprar sem problemas: a qualidade é a mesma – tem coisas até melhores! – que marcas famosas.

Já os mercados “normais”, ou seja, sem ser de descontos, são um pouco mais parecidos com os do Brasil. As fotos foram feitas no Edeka – como ele existe o Rewe, Kaiser's, Real, Kaufland, etc – que oferece as marcas mais famosas, além de uma série de produtos internacionais. Apesar dos preços mais altos, há sempre uma marca própria com um custo mais parecido ao dos discounters. A vantagem é encontrar de tudo por lá, especialmente uma grande variedade de frutas e verduras.

Os dois tipos de supermercados oferecem produtos de limpeza e higiene pessoal, mas existem redes de lojas especializadas nisso. Nessas lojas também são vendidos medicamentos – muitos deles naturais – sem receita. Para itens do dia-a-dia, além da maior variedade, costumam ser mais baratas que os supermercados. As fotos desse post são da rede Rossmann, mas como ela existe a Müller, DM, entre outras regionais.




No Aldi: 


No Edeka:


No Rossmann:  

Choque cultural: sono, raiva, angústia fazem parte do processo de adaptação


Adaptação intercultural é assunto de pesquisas bastante sérias. Os processos são tão comuns entre quem decide viver em outro país que podem ser praticamente medidos e existe um gráfico para representar esse processo. É um erro pensar que isso não vai acontecer com você: vai. E dói. Mas dá pra sobreviver. Importante é saber que esse é um processo natural e não se desesperar.

Claro que esse choque não é o mesmo em todos os países. Quanto mais diferente for a cultura originária da cultura da nova casa, maior vai ser o impacto. Vale até observar essa tabela que cria algumas referências para perceber um pouco do que distancia uma cultura da outra e assim prever o choque.

Tipos culturais: o modelo de Lewis, publicada originalmente aqui

Brasil e Alemanha estão em vértices opostos do triângulo, o que deixa claro que as diferenças são marcantes. Mas na chegada a Alemanha tudo parece perfeito. A primeira fase da vida por aqui é de lua-de-mel. Uma mistura da euforia da viagem, uma nova casa, uma nova vida, tudo colabora para criar uma aura mágica. A burocracia toda da chegada – fazer o registro na prefeitura, abrir conta em banco, contratar plano de saúde, fazer a matrícula da faculdade, dar entrada no visto – afetam o bom humor. Mas a aventura de ir ao mercado, de andar por ruas novas, conhecer pessoas supera.

É comum nessa hora nascer uma paixonite pelo novo país e um questionamento da própria cultura. É um período de deslumbramento com o novo. Já vi muito brasileiro recém-chegado com um discurso chato de negação das raízes, mas isso logo passa. Como a maioria chega por aqui para começar as aulas entre setembro e outubro, no chamado semestre de inverno, depois dos primeiros dois meses vem o frio e com ele a escuridão. Esse período de tempo coincide justamente com a queda da curva do choque-cultural e para quem vem do calor, os sentimentos acabam potencializados.

Essa fase tem sintomas de depressão. São aquelas noites em que a saudade aperta e a gente deita no travesseiro se perguntando porque saiu de casa. É comum se sentir bastante sonolento (ainda mais pelas poucas horas de luz), cansado. O esforço mental para viver a vida em um outro idioma é bem maior e até enviar um simples e-mail parece uma tarefa complicada. Conheço gente que entrou em períodos de hibernação, dormindo doze horas por dia e só saindo pra comprar comida. É preciso ficar atento e lutar contra esses sintomas. Claro que a adaptação requer energia extra, mas não vale se trancar em casa e achar que o mundo lá fora vai voltar a ser como na casa da mamãe.

Tempo x satisfação: a adaptação a nova cultura, publicada originalmente aqui

Essa reclusão é mais ou menos o fundo do poço: é quando tudo no novo país irrita e quando tentamos provar (para nós mesmos!) que a nossa cultura originária é melhor. Embora os especialistas digam que faz parte do processo, acho que muita gente reage (eternamente) às diferenças assim: achando que o mundo inteiro tem que se adaptar à forma como está acostumado a fazer.

Dos três aos seis, sete meses de Alemanha é a fase em que nada presta. Nessa hora o importante é evitar a tentação de se juntar com outros estrangeiros para falar mal o tempo todo dos alemães e da Alemanha. A tentação é grande, mas é preciso lembrar que ninguém chegou aqui amarrado: todo mundo veio porque quis e pode voltar se quiser.

Mas passada a inquietação maior – que geralmente coincide com a chegada da Primavera, inicia a outra fase: a dos ajustes culturais. Nessa hora, vale descobrir como fazer feijoada sem importar nenhum ingrediente. Vale adaptar receitas locais a um paladar mais abrasileirado, mas é importante aceitar que o mundo não vai mudar por sua causa.


E por fim, depois dos ajustes, vem a calmaria: a adaptação. Nessa hora – depois de um ano, mais ou menos – as regras do novo país passam a fazer um pouco mais de sentido. O idioma estrangeiro deixa de ser um problema maior e os dias entram em sua rotina: o restaurante favorito, os amigos que ajudaram nas horas duras, o parque florido, os planos para a próxima viagem...

domingo, 31 de agosto de 2014

Morar fora e a arte do desapego: o bem mais precioso que se pode guardar são as muitas versões de si mesmo


Em seis anos na Alemanha me mudei umas sete vezes e aprendi na prática a importância do desapego. Desfazer-se de roupas, objetos, sapatos está diretamente atrelado a reforçar a ideia de ser em detrimento de ter. Explico por partes.

Saí de casa pela primeira vez com 19 anos mas continuava chamando a casa da minha mãe de minha casa. Sei, de coração, que para ela, sempre vai ser a minha casa. Mas as andanças e/ou a maturidade que vem com elas me fizeram mudar de perspectiva e, de repente, não faz nenhum sentido manter do outro lado do oceano um armário cheio de livros, roupas e sapatos que eu nunca mais vou usar na vida.

Primeiro por que não me servem: engordei, emagreci, a moda mudou, leio outros autores agora. Outra porque mesmo que todas as coisas que deixei por lá estivessem saindo de um catálogo do mês, eu não sou mais a mesma pessoa que as comprou. Minhas escolhas hoje são completamente diferentes, porque cada vez que eu troco de endereço, não sou mais a mesma de quando cheguei para morar naquela casa.

A versão que saiu do Brasil adorava saltos altos. Hoje, meu objeto de desejo são botinas de couro forradas de lã quentinha para o próximo inverno. Tive uma coleção de bolsas e hoje só compro uma nova quando a atual se desfaz. E não sou a única a passar por isso. Conheço gente que fez malabarismo para colocar dezenas de camisas lindas em uma mala e desde que chegou na Alemanha só aparece em fotos usando camisetas. Ou as caixas de mudanças que foram deixadas no porão de um amigo cheias de coisas absolutamente queridas e que depois de uns meses, já nem se sabe o que está dentro.

Isso não significa que eu não preserve laços com o passado, especialmente com a família, com amigos ou com lugares queridos. Mas quando se decide sair do país – seja por seis meses, por um ano ou pra nunca mais voltar – é preciso aceitar que a vida de quem fica segue sem a nossa presença. E a história que passamos a escrever não cabe mais nas páginas da vida de quem ficou. A grande aventura de finalmente achar no mercado um arroz que fica igualzinho ao do Brasil não interessa em nada a quem ficou, mesmo que essas pessoas continuem nos querendo igualmente bem.

A história que escrevemos longe de casa tem referenciais de cultura tão distantes que quase nada faz sentido para quem segue a mesma rotina, no mesmo endereço. E quando você aparece – de visita, no computador, no telefone – e alguém pergunta como vão as coisas no novo país, a resposta é sempre a mesma: vão bem. Não tem como contar, como explicar que o ar tem outro cheiro, o sol brilha diferente ou que você descobriu um restaurante absolutamente fantástico na esquina de casa. Ninguém tem paciência pra ouvir.

Mudar de país é a prova da existência de universos paralelos: o nosso eu que ficou na memória dos amigos segue uma trajetória completamente diferente do eu que somos agora. E essa diferença afasta, pouco a pouco, mesmo que a gente insista que não. Me considero uma boa cultivadora de amigos, em uma avaliação nada modesta. Tendo a preservar muito mais a memória dos meus amigos distantes do que sou preservada na vida deles: insisto em escrever postais, cartas que mofam em gavetas mesmo sem nunca ter recebido resposta a nenhuma delas. Escrevo mesmo assim porque sei que os destinatários não fazem por mal: tiveram que aprender a viver sem mim e, mesmo com saudades, levaram a tarefa a cabo com maestria. Também porque, na verdade, nem sou mais a pessoa de quem eles sentem falta.

No fundo, a insistência em fazer parte da vida deles é puro egoísmo meu. Não sei se vou voltar um dia e, sinceramente, não sei se me encaixo no papel que um dia representei na vida de cada um. O amor que sinto é uma vaidade de querer manter um pedaço de mim mesma em cada pessoa que passou pela minha vida. O que me leva crer que meu desapego material não se reflete nos sentimentos.

Na verdade, o que preciso mesmo a cada mudança são muitas caixas não para as coisas, mas para cada uma das pessoas que fui ao longo desses anos. Porque sair de casa é, definitivamente, sair de si mesmo e se reinventar com novas prioridades.
de volta à nave mãe - desde 2008 © Ivana Ebel