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quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

As aventuras de quem viaja pelo Brasil e precisa lidar com o inusitado


O Brasil perdeu uma grande oportunidade de se profissionalizar para a Copa. Se tivesse cumprido metade do caderno de encargos, em que propunha melhoras nos transportes, no trânsito, nas condições gerais das cidades que vão ser sede, já teria feito muito. Nem vou mencionar a corrupção, o desvio de recursos, as obras deixadas para a última hora contando com a dispensa de licitações para favorecer amigos. Nem quero entrar no mérito de cidades que se propuseram a ser sub-sedes (servindo de casa para uma equipe e por fim não serão nada) e investiram milhões em estádios (ainda incompletos) quando nem time de futebol para usar o espaço tem. Vi de perto algumas dessas aberrações.

Mas o post tem outra motivação. Outro dia compartilhei no Facebook um texto de um americano que lista uma série de motivos pelos quais ele odiou ter morado no Brasil e as reações foram as mais extremas. Os brasileiros têm uma dificuldade absurda em receber qualquer crítica: ainda mais de alguém de fora. Devo confessar que o americano em questão teve uma experiência ruim e algumas comentários são mal humorados, mas concordo com quase tudo o que ele escreveu.

O problema do Brasil são os detalhes. Falo isso como alguém que, mesmo vivendo fora, ama o seu país. Aliás, ama o suficiente pra ter uma visão crítica – e autocrítica também. Não se trata de chatice ou frescura e nem de achar que na Europa tudo é lindo ou melhor. Mas existem coisas bem brasileiras que me tiram do sério. Só para enumerar algumas: atrasos, pessoas que aparecem sem avisar, gente que confirma que vai e não aparece.

No entanto, são experiências vividas em viagens de trabalho – e sendo tratada como estrangeira, pela falta de sol gritante que minha pele tem emanado ultimamente – que mostram que tudo poderia sair bem, não fossem os detalhes. Ok, detalhes nem tão pequenos algumas vezes, especialmente no tratamento a quem vem de fora. Faço o relato como brasileira – e não entendam como um queixume típico de classe média, mas sim como uma forma de apontar as falhas que serão potencializadas durante a Copa. Os relatos são um alerta de situações semelhantes àquelas que os turistas do mundo inteiro vão enfrentar aqui. Eu, que estou no meu país, falando a minha língua materna, fiquei muitas vezes sem palavras... Pra quem vem de fora e vai depender do inglês de cinco frases decoradas de quem presta serviços, a coisa deve ser bem pior.

Vamos aos fatos. O táxi é um claro exemplo disso. É eu entrar em um que o motorista começa a dar voltas. Não que eu conheça as cidades todas por onde andei, mas criei o (saudável, penso!) hábito de verificar as rotas antes e não preciso de um GPS para saber que estão indo para outro lado. Ligar o taxímetro parece um pedido de outro mundo. Alguns aeroportos, como o de Manaus, oferecem a possibilidade de pagar o taxi antecipadamente para uma corrida até os hotéis do Centro, por exemplo. Nesse caso, se você pagar com cartão de crédito (na própria central de taxi, que oferece essa possibilidade), esteja preparado para ser empurrado de um motorista para outro, já que ninguém quer a corrida.

Se chegar no hotel (não um cinco estrelas, mas um hotel de boa categoria turístico-empresarial, por assim dizer, que exibe orgulhoso a plaquinha de “alojamento credenciado pela FIFA para a Copa do Mundo), prepare-se. Primeiro para um check-in demorado. Depois para ficar sem papel higiênico, sem toalhas (e não reclame dos furos ou bordas esfarrapadas quando chegarem, afinal, estão limpas). Prepare-se para pagar 15 reais para lavar uma calça jeans e para esperar três dias até que sua roupa seja localizada. E para ouvir do hotel que eles não tem qualquer responsabilidade sobre isso, já que o serviço é terceirizado.

“Esquecerem” de arrumar o quarto também acontece. Some isso a telefone quebrado, tv de caixote com muito chuvisco e chuveiro elétrico que não funciona. Cada vez que conto para alguém aqui na Alemanha que no Brasil usamos chuveiros elétricos a pessoa se contorce de pavor e faz uma cara de: como vocês não morreram eletrocutados ainda? Pois é, nem eu sei. Ah, e também tem hotel “eco” que para economizar regula o frigobar em uma temperatura que a água fica mais gelada se deixada no balcão, só com o ar condicionado.

Outra coisa que vale registro é a tentativa de telefonar no Brasil. Primeiro tem a coisa toda das operadoras, que nem eu sei mais como funciona. Mas tem a burocracia de comprar o cartão: precisa de um número de CPF. Eu tenho e acabo comprando cartão para todos os meus colegas estrangeiros. Depois disso, dependendo da operadora, vem a loteria: conseguir ligar para o tal número de serviço para fazer o desbloqueio. Geralmente leva uns dois ou três dias para conseguir ser atendido ao mesmo tempo em que o sistema não está fora do ar. Hmmmm. E depois de uma semana vem uma mensagem: seu período de teste gratuito da internet terminou. Jura que eu tinha internet? Não tinha percebido...

E a saga continua. Se for de um lugar para o outro dentro do Brasil, o melhor é comprar um chip em cada cidade: roaming é um assalto, mas todo mundo do país já sabe isso de cor. Então, sobre os vôos internos: tenha um saco de paciência. Os voos atrasam mais vezes do que funcionam. E mesmo se saírem no horário, prepare-se para lidar com gente despreparada. Vou citar um exemplo real: em um voo da cidade A para a cidade B, a mocinha da companhia aérea disse que, como a aeronave era muito pequena, haviam restrições para a bagagem de cabine. Minha companheira de viagem levava uma mala de cabine padrão, dessas que cabem até em teco-teco. Mas a mocinha da companhia cismou e disse que não, que não cabia. Afirmou que só poderiam ir na cabine malas que coubessem no “engradado” de medida. Pois bem, a mala cabia perfeitamente lá: entrava sem esforço. Mas a moça não quis saber e disse que despacharia de qualquer jeito. Minha amiga, sem querer criar caso, concordou. Tirou o computador da mala e colocou na esteira para despachar. Então a mocinha da companhia diz: como a senhora está despachando uma segunda mala, vai ter que pagar uma mala extra.

Aqui na Europa é até comum encontrar voos em aeronaves pequenas e lotadas. Nesse caso, a companhia pede ao passageiro para despachar a mala de cabine – sem custos! – a fim de liberar espaço interno. Sim: o passageiro faz o favor de permitir que a companhia despache a mala que ele teria o direito de levar consigo. Mas não nessa empresa. Com a cara mais azul do mundo, a mocinha exaltada insistia no pagamento da mala extra. O absurdo foi tanto que perguntei se não podíamos parar tudo e fazer o check-in com uma colega dela. Por fim, enfezada e grosseira, ela disse que faria o favor de despachar a mala na franquia de um outro passageiro que havia embarcado sem bagagem. Hã? Pois...

Pra espantar tanta uruca, nada melhor do que fazer um lanchinho. Então fui na Casa do Pão de Queijo e pedi um. Afinal, só quem vive longe do Brasil sabe o quanto vale um pão de queijo... Ai... “Não tem pão de queijo, senhora”, disse a mocinha. Hmmmm Então um café? Ela me olha espantada, afinal devem estar uns 45 graus na rua e o aeroporto – em obras pra Copa – ainda não tem ar condicionado. “A máquina não está funcionando”. Bem, uma água serve.

Mas afinal nem tudo é desgraça e o povo brasileiro é amistoso. Por isso, tem gente simpática também, como o recepcionista do hotel que foi me mostrar o novo quarto (já que no meu o ar condicionado não funcionava) e depois checou meus dados no sistema do hotel e, com o meu nome completo, me adicionou no Facebook. Bem assim, profissional.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Alemanha de A a Z: um guia prático para entender a terra dos castelos, da batata e da cerveja


Um guia prático para entender esse país cheio de regras, peculiaridades e consoantes. Uma coleção de verbetes com experiências, muito achismo e nenhum rigor científico: experiências somadas no cotidiano de um país com uma aura tão indigesta quanto repolho azedo com joelho de porco cozido, mas que se revela um local seguro, prático e até divertido de se viver.

Atenção: a reprodução desse texto ou suas imagens em qualquer outro veículo midiático – incluindo blogs ou sites só é permitida a partir de consulta prévia. Caso queira compartilhar, publique o parágrafo acima e inclua um link para o post original.



Alemanha – O país coleciona ódios e amores na mesma proporção. Bom, não exatamente. A liderança econômica da Alemanha na união europeia coloca o país – e em especial a chanceler Angela Merkel – no centro das críticas pela crise econômica. Não raro a governante é retratada como nazista, embora dentro do país goze de prestígio (demonstrado nas urnas nas últimas eleições). Más línguas dizem que a Alemanha conquistou com a economia e com a criação da EU aquilo que o Nazismo almejava e fracassou. Críticas à parte, é o país de um povo ordeiro e que tenta superar as marcas do passado. Uma economia de índices fortes apesar da crise e um lugar onde se vive com estabilidade e segurança.



Berlin – É capital alemã desde a reunificação, em 1991 (antes era a capital da Alemanha comunista – a DDR e Bonn era da Alemanha “Ocidental”, a BRD) e uma das cidades mais cosmopolitas da Europa. Apesar dos seus 4,4 milhões de habitantes, é um lugar relativamente tranquilo e seguro. O sistema de transporte de Berlin é certamente um dos mais eficientes do mundo – embora quem viva lá não se conforme com os 10 minutos de atraso dos trens que cruzam a região metropolitana. Tem lugares lindos mas, como um todo, não é exatamente o modelo europeu de beleza. Berlin encanta por ser história viva: a guerra, o muro, a divisão das Alemanhas transformam a capital germânica na cidade mais rica em história de todo o país. Imperdível.



Cerveja – A Alemanha pode até não ser o maior consumidor mundial de cerveja (com 143 litros por pessoa a cada ano, tchecos ocupam essa posição, seguidos dos austríacos, com 108). Os alemães estão em terceiro, com a média de 107 litros por pessoa por ano. No Brasil, que ocupa a 17ª posição, são 62. Mas as cervejas produzidas na Alemanha garantem a fama internacional. Existem incontáveis marcas produzidas por 1274 cervejarias registradas. Fora quem faz em casa. Os tipos variam muito, mas para serem chamadas de cerveja, todas devem seguir a lei de pureza na fabricação, a Reinheitsgebot. Somente água, malte, lúpulo e fermento podem ser usados no fabrico. Comparando as cervejas alemãs do tipo Pils com as brasileiras – que são quase sempre dessa categoria – fica fácil diferenciar: as cervejas alemãs são mais “fortes”. Tem um sabor mais marcante de malte e uma variação grande na lupulagem. São servidas um pouco menos geladas que no Brasil para que se possa apreciar o sabor em todas as suas notas.



Domingo – Todo sábado parece que o país está às vésperas de uma guerra, especialmente nos supermercados. No domingo – com raríssimas e recentes exceções nas cidades maiores – NADA abre no país. Não tem mercado, não tem loja, não tem shopping aberto. Padarias fazem plantão em sistema de rodízio, como as farmácias. Cada final de semana é uma que “faz o favor” de abrir em um determinado horário para vender. Mas as portas abertas são por pouco tempo. É melhor planejar o domingo com antecedência, fazer a lista de compras bem completa para não faltar nada.



Educação – O sistema de educação alemão causa estranhamento em quem chega. No final do que seria a quarta série no Brasil, os professores dividem os alunos em três grupos: os mais inteligentes, estudiosos e com boas notas; os intermediários, e os mais “fracos”. Cada grupo segue para uma escola diferente. Os “espertos” vão para o Gymnasium, onde serão preparados para entrar na universidade. Os do meio, passam a frequentar a Real Schule, que acaba mais cedo e conduz, geralmente, a um curso técnico ou a um curso superior do tipo tecnólogo. Já os “burrinhos” são encaminhados para a Hauptschule, onde recebem um ensino elementar e são encaminhados cedo para cursos profissionalizantes em áreas de ocupações menos especializadas: jardineiros, zeladores, padeiros, condutores de ônibus e afins. Isso porquê, na Alemanha, até para assentar tijolos em uma obra é preciso um curso técnico. Geralmente são três anos de preparação para qualquer atividade.



Feiras de Natal – As celebrações de Natal na Alemanha são pura magia. Em todas as cidades são organizados mercados que vendem comidas típicas do inverno e o tradicional vinho quente temperado com especiarias, o Glühwein. O cheiro da bebida se soma com as amêndoas carameladas, a neve e todos os cantos parecem cenário de filme. Sem exagero. É lindo demais. Já o réveillon, Silvester, como se diz aqui, é o oposto disso. Algumas cidades fazem queima de fogos, mas no geral, são apenas as pessoas que levam seus fogos para a beira de um rio, se houver. Alias, os espaços tradicionais são verdadeiras praças de guerra: o cenário é apavorante, com bombas e rojões explodindo por todos os lados. Isso porquê os fogos são proibidos no país o ano inteiro e só podem ser comprados e usados nos dias 31 de dezembro e 1º de janeiro. Ou seja: são 48 horas para dar vazão a todo o fetiche bélico de um país inteiro. Além disso, o frio espanta qualquer ânimo. Pode ser divertido passar na rua, mas é preciso ter um programa para depois, porque meia hora depois da virada a multidão já estourou seus fogos, deixou toneladas de lixo para trás e se dispersou. Abaixo de zero, só mesmo com um bar quentinho pra comemorar!



Geração de energia – A Alemanha vive de energia termoelétrica (do carvão) e nuclear, mas está trabalhando duro em um plano ambicioso: mudar sua matriz até 2020. Muito tem sido feito e já se pode escolher comprar energia de fontes renováveis. Placas solares e turbinas eólicas estão espalhadas no país inteiro e isso não sai barato. No entanto, quem vive aqui aceitou pagar o preço de cuidar do meio ambiente. Além da energia, alemães consideram a separação do lixo quase uma religião. Veja o verbete Lixo.



Hauptbahnhof – Cada cidade tem a sua estação central de trem, que interliga os mais distantes recantos do país. A malha ferroviária alemã é de dar inveja. As conexões são geralmente precisas: é normal ter-se apenas três ou quatro minutos para trocar de um trem para o outro. Por isso qualquer atraso é catastrófico. Mas tem pra quem se queixar e as queixas são ouvidas. Mais de 60 minutos de atraso significa receber dinheiro de volta. Quem vive aqui reclamaconstantemente da Deutsche Bahn, mas quem vem de fora geralmente elogia: os serviços são bastante organizados em comparação a outros países, mas se paga bem mais caro por isso. Um cálculo bom (mas não preciso!) é saber que cada hora de trem custa aproximadamente 10 euros quando os tickets são comprados com antecedência. Se comprar na hora, pode ser o dobro disso. Existem muitas formasde economizar e encontrar tickets mais baratos.



Imigrantes – Estatísticas de 2011 apontam que 19,5% da população total alemã (81,75 milhões de pessoas) é imigrante ou descendente de imigrantes.  Mas em muitas cidades a sensação é de que esses números são bem mais altos. Turcos são a larga maioria. Oficialmente, 1,575 milhão no final de 2012. Mas é preciso levar em conta que as novas gerações – filhos e netos dos turcos que imigraram no pós-guerra para trabalhar na reconstrução do país - já são nascidas na Alemanha e, portanto, alemães. Poloneses aparecem em segundo na lista: 532 mil. São seguidos dos italianos (529 mil), gregos (298 mil), croatas (224 mil) e romenos (205 mil). Brasileiros são muito menos, mas ainda assim 34.945 estão registrados no país. Essa mistura cultural pode ser vista no rosto das pessoas, na lojas de todas as nacionalidades, nos bairros de imigrantes. Mas nem tudo são flores e, mesmo com um passaporte alemão na mão, estrangeiro será para sempre estrangeiro.



Joaninha – Elas são símbolos de boa sorte aqui na Alemanha. Mas se você morar perto de um parque ou tiver um jardim grande, podem bem ser um azar! No final da primavera e começo do verão elas surgem aos milhões e não raro você passeia por um jardim e escuta um barulho “crocante” sob os pés... das joaninhas que vai amassando involuntariamente pelo caminho.



Kirche ou Kirsche – Igreja ou cereja? Alemão é mesmo um idioma complicado. Complicadíssimo. Mark Twain já dizia que "A vida é muito curta para aprender alemão", mas aprender o idioma é a principal chave para a integração. Costumo brincar que a universidade pode ser em inglês, mas a vida real segue sendo em alemão mesmo. Fora isso – e de volta a cereja! – a frutinha toma conta dos mercados no verão e faz o inverno todo ter valido a pena.



Lixo – Separar o lixo é o verdadeiro esporte nacional da Alemanha. E é bom fazer isso direito antes que um vizinho carrancudo apareça na porta pra dizer que você separou isso ou aquilo errado. Existem toneis de coleta de lixo reciclado nas casas ou em algum local próximo. Sempre. Então, o negócio é memorizar a cor dos contêineres: azul é para papel; amarelo para embalagens pequenas e metais; marrom é para lixo orgânico e o preto para o que não se pode reciclar. Vidro é separado por cor: há um contêiner para o transparente, outro para o marrom e outro para o verde. Até hoje não sei o que fazer com garrafas azuis e, por via das dúvidas, deixo de decoração em casa.



Mau humor – Eu não diria que os alemães são necessariamente mau humorados. Prefiro dizer que tem um senso de humor peculiar, diferente do brasileiro. É uma questão de costume. Tem gente que acha que sinceridade é grosseria e por isso acha que todo mundo na Alemanha é mal educado. Eu acho a vida mais simples. Se você recebe um convite e não pode ir, diz que não e pronto. Não promete e depois falta. Essa sinceridade quase em excesso é parte da personalidade do país e ajuda a construir a má fama. Claro que tem momentos em que a paciência some, especialmente naquelas temporadas de chuva, quando para sair na rua é obrigatório vestir uma cara azeda. Mas ai vem o sol... ah, o sol. E o humor muda e a vida segue.



Nazismo – Esse é um tema proibido. Nunca, jamais faça qualquer piada sobre o assunto. Não fale sobre a guerra em uma festa. Os alemães carregam até hoje uma culpa e uma vergonha muito grande pelo Nacional Socialismo e o assunto sempre transforma os humores. A questão é tão tabu que beira a paranoia. Por aqui, ter uma bandeira da Alemanha é algo mal visto: só pode na Copa. Ter orgulho do país ou de ser alemão também são valores que remetem ao fascismo. Os neonazistas só contribuem para entornar ainda mais o caldo.



Ordnung – Esta é a palavra que melhor resume a Alemanha. Para tudo existe uma regra, uma norma, uma lei. Para cada coisa que se queira fazer há um uniforme específico e um manual. Para a vida funcionar é preciso seguir todas as regras. Isso mantém o Ordnung, a ordem, traz estabilidade e faz a vida de todo mundo mais fácil. Bom, esse é o pensamento alemão. Nesses anos de Alemanha acabei aprendendo que o Ordung é, na verdade, o antônimo do jeitinho: se no Brasil sempre se acha uma maneira de contornar a situação e levar vantagem dela, aqui a mesma regra vale para todos e não adianta espernear.



Pontualidade – Chegar atrasado é um crime. E deveria ser no mundo todo! Marcar com alguém e fazer a pessoa esperar é o mesmo que determinar que o seu tempo vale mais do que o tempo da outra pessoa. Tirando a empresa de trens, que já foi muito pontual em outros tempos, todas as coisas seguem o ponteiro à risca. Se for se atrasar mais do cinco minutos, é bom mandar uma mensagem ou ligar avisando. Isso vale para o trabalho, para o compromisso com os amigos, para a universidade. Um amigo disse uma vez que a precisão é tão importante para os alemães que deve ser por isso que eles dizem os números de forma invertida: primeiro a unidade e depois a dezena! Só pode!



Qualidade – Se o orgulho de ser alemão é algo negativo para as pessoas, a relação com os produtos é inversa. Regras de controle de qualidade rígidas e consumidores exigentes deixam poucas queixas em relação a qualquer coisa feita no país. Isso vale até mesmo para os supermercados mais baratos – os discounter, tipo Lidl, Netto, Aldi, Norma. Até os produtos de marca branca, vendidos com exclusividade por determinada rede, tem boa qualidade e podem ser comprados sem medo. São muito mais baratos e não decepcionam em geral. Se tiver dúvida, consulte as etiquetas dos testes de qualidade, que são exibidas com orgulho pelas marca. Gut ou Sehr Gut estampados no fundo branco com o nome dos institutos são a certeza de levar pra casa coisas boas e, na maioria das vezes, sem ter que pagar mais caro por isso.



Religião – Dizem que a antiga Alemanha comunista é o lugar mais sem Deus do mundo. Isso por conta dos índices elevados de ateísmo nos estados que antes formavam a DDR. Mas esse fenômeno, que se repete em menor escala na “outra” Alemanha, tem um componente econômico importante: o imposto descontado direto na folha de pagamento para quem professa uma religião. Os valores variam conforme a renda, em uma conta que não sei definir como é feita. Mas chegam perto dos 100 Euros por mês pra quem ganha entre mil e dois mil. Por isso muita gente que pede benção pra avó se declara ateia na Alemanha. Quem paga justifica que o valor é usado para a conservação das igrejas que são verdadeiros museus e que financia muitas ações de caridade e mesmo bolsas estudantis oferecidas pelas organizações religiosas. Quem declarou e se arrepende depois da chegada do primeiro contracheque precisa ir a prefeitura e fazer uma papelada enorme em que “renuncia a fé”.



Salsicha – Existem estimados mil e quinhentos tipos de salsichas na Alemanha e, claro, eu devo conhecer uns 40, chutando alto. Cada cidade tem sua especialidade, seu jeito de preparar, sua receita secreta. Basicamente é assim: tira a tripa de dentro do porco e coloca o porco moído e temperado dentro da tripa. Duas salsichas, no entanto, são facilmente encontradas no país todo. A Bratwurst da Turíngia, que tem entre 30 e 40 cm, uns 3cm de diâmetro e é servida assada em um pão minúsculo com mostarda. A outra é a Currywurst, o prato típico de Berlin. A tenda do Curry 36, que fica na capital, é considerada por muitos a melhor, mas é possível achar boas opções na Alemanha inteira. Lembra (bem de longe!) a salsicha de cachorro-quente do Brasil, assada na grelha, cortada em rodelas e servida com um catchup temperado e curry em pó no topo. A descrição pode não ser convidativa, mas uma visita ao país não está completa sem provar a iguaria.



Teimosia – A minha cidade, Blumenau, em Santa Catarina, foi fundada por alemães e ainda abriga muitos descendentes. Por lá a gente usa um ditado mais ou menos assim: “Alemão não é teimoso. Teimoso é quem tenta discutir com alemão”. Bom, de algum lugar isso saiu. Eu já cai na besteira de discutir ou tentar argumentar algumas vezes por aqui e, depois de alguns anos de sofrimento, fica a dica: nem comece.



Universidade – A Alemanha tem internacionalizado suas universidades cada vez mais. Depois do tratado de Bolonha, especialmente. Com o fim dos cursos superiores chamados de Diplom (mais extensos que um bacharelado no Brasil e já com a equivalência do título de mestrado), passaram a pipocar mestrados internacionais no país. Ou seja: cursos em inglês gratuitos em todas as áreas, embora os bacharelados sejam em alemão (com raríssimas exceções). O ensino superior na Alemnha é gratuito. São poucas as faculdades privadas e é possível escapar delas com boas opções públicas. O que se paga por aqui é uma taxa de matrícula semestral – entre 150 e 300 euros, conforme a cidade – que já inclui o ticket para o transporte local. Então, para quem planeja arriscar um voo solo no exterior para uma especialização, a Alemanha é o caminho mais fácil, já que não é preciso entrar na briga por bolsas de estudo.



Verão – Dias que amanhecem as 3h30 e anoitecem depois das 22h. O mês mais aguardado do ano, sem dúvidas. Sim, o mês: porque o verão por aqui não é exatamente uma estação inteira. Sair de casa com os braços de fora e nem pensar em levar um casaquinho (mesmo que leve) é raridade. E nesses dias de “raridade”, os 30 graus parecem ser 40. As casas, as cidades, os transportes: nada épreparado para o calor. Em alguns Estados, quando os termômetros passam dos 30 graus as aulas são canceladas. Mas nem todo mundo tem a mesma sorte. Para quem trabalha, o jeito é driblar a massa quente com ventiladores e esperar. A única certeza é que o calor dura muito pouco.



Xenofobia – Esse é um assunto sério no país. A xenofobia existe sim e é um problema grave. E não é apenas contra um grupo étnico distinto: é contra todo mundo que não é alemão. Antes que eu seja execrada, quero dizer que sim, existe uma grande maioria de alemães que convive perfeitamente com um país internacionalizado. Mas se você é estrangeiro, mesmo que fale a língua e seja loiro e de olhos azuis vai enfrentar problemas (em maior ou menor escala) em algum momento. Isso vale para empregos, para amigos, para a simpatia no atendimento, para resolver os problemas. Mas vale muito na hora de alugar casa: como estrangeiro, mesmo tendo emprego, grana e afins, é sempre mais difícil conseguir um apartamento. Uma vez que os imóveis aqui não são de quem chega primeiro – ocorre sempre um tipo de entrevista e todo mundo vai arrumado ver casa – os alemães acabam sempre tendo a preferência.



Zelador – O zelador do prédio será o seu melhor amigo aqui na Alemanha. É quem arruma a torneira com vazamento, o chuveiro que tem cal (sim, porque a água é muito alcalina e vai entupindo tudo com o tempo). Se você morar em um condomínio estudantil, esses serviços costumam estar incluídos. Se não, leia com atenção o contrato. Tive um problema sério com isso. Apareceu uma mancha de mofo na minha parede na época em que vivia em Berlin em um apartamento térreo – e isso é uma coisa séria e que precisa ser resolvida o quanto antes – e a administradora do prédio disse que o zelador passaria lá para resolver. Eu disse que não precisava, que eu mesma faria. Já tinha aprendido com o zelador do prédio anterior que a única coisa que resolve esse problema é um spray anti mofo que vende nas lojas de material de construção, para uso profissional. Os do mercado não valem nada. Enfim: o homem foi lá, jogou o spray, esperou três minutos, secou com um pano e foi embora em menos de dez minutos. Veio a conta: 65 euros.



... – Essa é a primeira “amostra grátis” do Alemanha de A a Z. A ideia é continuar escrevendo sobre os mais diferentes aspectos do país. Por isso, se gostou, comente. Se não gostou, comente também. Sugestões de novos verbetes são sempre bem vindas. É só deixar um recado.
de volta à nave mãe - desde 2008 © Ivana Ebel