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quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Dicas de inverno: como se preparar e como enfrentar o frio na Alemanha


Não existe tempo ruim: o importante é usar a roupa certa

As temperaturas costumam chegar aos -20 graus em algumas regiões da Alemanha durante o inverno. Isso inclui Berlin. Mas ondas de frio tão intenso duram poucos dias, por sorte. Em média – sem contar os alpes e montanhas – os dias ficam entre -5° e + 5 por seis longos meses. Então, pra quem chegou agora, ou vai chegar no meio desse período, algumas dicas podem ser úteis e ajudam a evitar maiores complicações. Já fiz um post para quem planeja fazer turismo no inverno, mas esse aqui é um pouco mais completo.

A primeira das dicas é simples: é frio e você vai ter que se acostumar com isso, de qualquer maneira. Por isso, quanto antes, melhor. E a melhor coisa é entender que é inverno e não adianta querer transformar a casa em uma filial dos trópicos que a coisa não vai funcionar. Por isso, compre um termômetro e regule o aquecimento de forma a criar conforto térmico, mas sem tornar as suas saídas de casa um tormento. A temperatura ideal para o ambiente em que se passa a maior parte do tempo é entre 18 e 21 graus. Mais que isso é puro exagero. Para dormir, entre 17 e 19 graus. Além de ajudar na saúde, esse cuidado ajuda no bolso! Apesar do aquecimento ser pago mensalmente, junto com o aluguel, no final de cada ano é feito um ajuste: o estado verifica se você consumiu mais do que pagou ao longo de um período e é preciso quitar o excedente (raramente se recebe de volta). E as contas costumam ser bem salgadas. Já vi gente recebendo 2 mil euros extras para pagar, de uma vez só, em um apartamento de três pessoas.

Pé quente

Para não sentir frio dentro de casa, aposte em roupas confortáveis: se tiver os pés sempre gelados, sapatos forrados de pelinhos resolvem. Pode até ser um Croc muito feio, com pelúcia por dentro, desde que ninguém veja (nas lojas de quinquilharias – tipo Teddy ou McGeiz, vende por uns 5 euros). Ou mesmo uma bota forrada de pelo: eu tenho uma dessas só pra usar em casa, assim não fico arrastando sujeira da rua. Paguei 7 euros na Kik: é feia de doer, mas é a coisa mais quentinha que já usei na vida. Para os menos friorentos, chinelinhos de pano também resolvem ou um tênis confortável. Havaianas só se for com meia: pés de fora é coisa para o verão. Não dá para manter aqui os mesmos hábitos do Brasil. E não ande descalço, claro.

Falando em pés gelados, uma dica pra quem não consegue se esquentar são as bolsas de água quente. Também podem ser encontradas mas lojas de bugigangas. Existem um capas apeluciadas para elas, bem fofas, e ficam com mais cara de travesseirinho do que aquelas bolsas de antigamente. Eu tenho uma linda demais que ganhei de uma amiga e acho uma delícia colocar nos pés nas noites mais geladas.

Existem ainda umas bolsinhas de gel com a mesma função das bolsas de água quente: mas para os bolsos! Uma delícia. Você coloca na água quente antes de sair de casa, seca, enfia nos bolsos e pronto: mãos quentinhas em todo o trajeto. E luvas, claro: luvas de lã não são muito eficazes, já que os furinhos deixam o vento passar. As de couro são caras, mas boas. Um meio termo são as de fleece: mais fechadas que as de lã e bem mais baratas que as de couro. Se o frio for muito mesmo, vale apelar para as luvas de ski, fofinhas e acolchoadas. Tudo isso baratinho na Kik ou lojinhas de Bahnhof.

Na hora de sair

Aliás, sair de casa exige um preparo. De nada servem muitas camadas se a roupa estiver errada. Primeiro é preciso dizer que você vai precisar de um bom casaco. Sugiro comprar aqui: os brasileiros são caros demais, finos demais e decotados demais. É preciso ter algo que realmente bloqueie o vento, que seja de preferência impermeável – ou ao menos uma lã grossa o bastante para não absorver a água e deixar você molhado – e bem fechado no pescoço. O ideal são casacos na altura do joelho ou um pouco abaixo, já que protegem melhor as pernas. Se puder, compre um com regulagem nos punhos, para deixar fechadinho e evitar que entre frio pelos braços. Existem modelos e preços variados: em lojas bem baratas, como a Kik e a Primark, dá para achar um que sobreviva um inverno. Na C&A já são um pouco mais resistentes. Outra dica é pesquisar nos brechós da cidade: sempre se acha alguma coisa bacana e exclusiva! Mercados das pulgas (Flohmarkt) também tem roupas: nesse caso a regra é pechinchar e você pode sair de lá com uma peça bacana por menos de 10 euros.

Palmilhas: lã ajuda a separar os pés do chão congelado

A mesma regra dos casacos vale para os sapatos. É preciso encontrar uma bota forrada, com sola grossa e de borracha, preferivelmente com garras para não escorregar na neve. Se for comprar um sapato ainda no Brasil, evite os que tem sola de couro: são muito escorregadios. Também deixe os saltos para a volta: eles não combinam com gelo. No entanto, sapatos menos “preparados” podem servir com algumas adaptações. Uma boa opção são as palmilhas de lã de ovelha, que se acha nas lojas de quinquilharias ou mesmo nas de cosméticos (tipo Rossmann ou dm). Custam entre 1 e 3 euros e realmente funcionam: elas não deixam passar tanto frio pela sola do pé. Não use sapatos apertados: botas justas dificultam a circulação e com isso o pé fica ainda mais gelado. Na hora de comprar, se planeja usar meias grossas, prefira um número maior. Aliás, falando em meias, embora as de lã sejam bem quentes, as de algodão deixam o pé respirar melhor! E meia é uma coisa muito barata aqui na Alemanha: com 5 euros se compra meia dúzia. Mas nunca compre meias brancas: é um fiasco por essas bandas!

Mas se mesmo nos mercados de pulga as botas de inverno estiverem além do orçamento, é possível transformar sapatos de sola lisa em uma opção mais segura. Existem uns grampos que podem ser presos em qualquer modelo. Encomendar pela internet é a forma mais barata. Custam cerca de 5 euros pelo ebay.de.

Bom, pés quentes e casaco. Chegou a hora de falar sobre as calças: primeiro de tudo, mantenha as bainhas bem feitas ou prefira modelos mais estreitos na perna: arrastar a barra pelo chão em dias de neve é garantir pernas geladas pelo dia todo. E isso não é nada bom! Além disso, quando está muito frio ou quando vai se passar várias horas nas ruas, é preciso usar uma segunda camada. Os supermercados populares (Aldi, Lidl, etc) ou as lojas simples (Kik, por exemplo) costumam vender essas roupas de usar por baixo: são calças justas, de um tecido térmico, criadas para praticar esportes de inverno, mas muito úteis para visitar os mercados de Natal! Para as mulheres, as opções são mais divertidas: existem meias-calças com um revestimento interno apeluciado (e outras ainda com o mesmo material das masculinas) que esquentam bastante. Custam geralmente 5 euros, nas mesmas lojinhas já citadas e valem muito, muito a pena. Eu gosto mesmo é de usar vestido no inverno: com uma meia dessas e uma legging bem grossa, não corro o risco de ficar arrastando neve com a barra da calça por ai.

Nada de calças "baixas"

Sobre as calças, vale dizer ainda que é hora de dar adeus as calças de cintura baixa. Compre umas “santropeito” mesmo e seja feliz. Conheci muitas brasileiras que, por conta do hábito de deixar a barriga ou as costas de fora, ficaram com cistite na primeira semana de frio. O negócio aqui é colocar uma das blusas por dentro da calça mesmo e prender bem para não sair: assim evita qualquer chance de deixar as costas ou o ventre expostos ao frio.

Bom, faltou falar da parte de cima. É preciso proteger a cabeça e, especialmente, os ouvidos! As tocas que existem no sul do Brasil não servem para muita coisa aqui. O ideal são toucas duplas, com uma camada interna apeluciada. O primeiro contato com elas é de repulsa: são feias, geralmente. Mas uma boa garimpada permite achar coisas interessantes! Se for comprar um chapéu, não esqueça que o importante é cobrir as orelhas: se não, serve só de enfeite. Existem protetores de orelha que funcionam bem até uma certa temperatura. Depois disso é preciso cobrir a cabeça mesmo.

Outra coisa para usar sempre: cachecol. Alemães usam até mesmo no verão: lenços, echarpes e afins. Proteger a garganta é regra por aqui e, se todo mundo faz, deve ter seus motivos! Para o outono, cachecóis tipo pashminas são ok, mas o frio pede coisas mais encorpadas, de lã. Use duplo, bem fechado e, se a temperatura estiver além dos -10, vale colocar por cima da boca e nariz para não respirar o ar tão gelado. Ah, aqueles cachecóis que as mães e vós costumam fazer no Brasil só servem se forem feitos com lã grossa e agulhas finas: ou seja, sem muitos furinhos. Um cachecol de pontos bem apertadinhos faz toda a diferença.

Cuidados com a pele

A pele também precisa de cuidados especiais no frio. A água na Alemanha é muito calcária e, quanto mais quente, mais pesada. Isso resseca muito a pele e pode provocar descamações ou mesmo rachaduras nos cotovelos, joelhos e tornozelos em pouco tempo. Por isso, mesmo que no Brasil a pele tendesse a ser oleosa, por aqui ela vai precisar de muito hidratante. E isso vale para os homens também.  Os hidratantes brasileiros dificilmente ajudam, já que não são oleosos o bastante. Melhor mesmo é apostar em um leite hidratante. Marcas como Nivea, Dove e Bebe tem várias opções, mas mesmo os produtos das marcas mais baratas dos supermercados são eficientes.

Os lábios geralmente são os primeiros a dar sinal de ressecamento e, por conta do batom, as mulheres podem sentir menos que os homens. Mas como nem todos os dias sobra paciência para maquiagem, o negócio é ter um bastão hidratante sempre à mão. São baratinhos: 1 euro ou menos no Rossmann, dm e afins. Mas se o aviso chegou tarde demais, o ideal mesmo é passar em uma farmácia e comprar um hidratante labial a base de Bepantol, que cicatriza as rachaduras e evita novas.

Falando em farmácia, inverno também é época de depressão. Não pelo frio, mas pelas longas horas de escuridão. Até os alemães sofrem com isso. Para amenizar, duas dicas: a primeira é comprar comprimidos de Johanniskräuter nas lojas de cosméticos ou supermercados. São drágeas de uma planta conhecida no Brasil como Erva de SãoJoão e ajudam mesmo a combater a depressão típica dessa época. Não precisa de receita e custam cerca de 4 euros a caixa com 60 comprimidos. A segunda dica é buscar sol. Se uma viagem para o Sul da Europa tá fora do orçamento, dá pra “remendar” com uma ida ao solarium (Sonnestudio). Mas nada de ficar laranja: são três minutos (não mais!), na máquina mais fraca que o estúdio tiver, com a regulagem mais baixa. A ideia é só ter luz o bastante para processar vitamina D e voltar a ser feliz! Enfim, o inverno tem seus segredinhos, mas dá pra sobreviver a ele.

Camadas certas de roupa

Em um resumão para fechar o post, na hora de planejar a roupa pra sair de casa, pense sempre em camadas e lembre-se que dentro de todos os ambientes (mesmo ônibus e trens) é quente. Em alguns, como lojas de departamentos, exageradamente quente. Então o ideal é usar peças que permitam abrir e deixar um ar entrar pra não sufocar! Uma boa dica, que funciona muito bem entre -5 e -15 é a seguinte sequência: uma camiseta de algodão, manga longa, bem justa junto ao corpo. Um pulôver de lã justinho. Um casaco de fleece, aberto na frente, bem justo também: de preferência de gola alta (vende na Kik a partir de 5 euros e na C&A por 9). Por cima de tudo, o casaco grosso, cachecol, touca, luvas. Na parte de baixo, meia-calça apeluciada de fio 600, calça jeans (ou outro material quente, como veludo) grossa e de cintura mais alta. Meia de algodão grossa e sapatos de inverno com palmilhas de lã. Hidratante no rosto e mãos, protetor labial e boa sorte!

E como dizem os alemães: „Es gibt kein schlechtes Wetter, sondern nur ungeeignete Kleidung“. Não existe tempo ruim, existe apenas roupa inapropriada!

Se depois de fazer tudo isso o frio ainda for demais, aproveite o clima natalino e pare na primeira barraquinha que encontrar e peça um vinho quente, o tradicionalíssimo Glüwein. Sugiro pagar o extra e pedir uma dose de licor de amêndoas junto: esquenta o corpo, a alma e deixa o inverno muito mais colorido!


Lá fora: é frio sim, mas o inverno é cheio de encantos

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

9 de Novembro: a queda do Muro de Berlin e uma Alemanha ainda dividida


Queda do Muro: alemães tomam conta da "terra de ninguém"*

Há exatos 23 anos, em 9 de novembro de 1989, caia o muro de Berlin e a Alemanha voltava a ser um só país. Ao menos nas fronteiras e nos papéis. O muro, construído em 1961, separava a Berlin ocidental – uma ilha capitalista no coração da Alemanha comunista (a Deutsche Demokratische Republik, ou simplesmente DDR). Já escrevi sobre a história do muro aqui. Vale dizer que, na época, o que ocorreu não foi uma fusão de dois países e sim a incorporação dos ex-estados comunistas à Alemanha economicamente forte.

O 9 de novembro não é exatamente comemorado pelos alemães e, na maioria das cidades, passa em branco. A celebração da união dos dois países é em 3 de outubro, data da unificação oficial da Alemanha. A queda do muro foi a primeira abertura de fronteiras, permitindo que Ossies (da DDR) e Wessies (da Alemanha capitalista -  BRD, a Bundesrepublik Deutschland) pudessem circular sem mais restrições. Isso porque, o 9 de novembro tem uma mácula: a noite de 9 para 10 de novembro de 1938, ainda antes do início da Segunda Guerra Mundial, ficou conhecida como a “Noite dos Cristais”.

Foi nesta madrugada que a perseguição contra os judeus – que culminaria com o holocausto promovido pelos nazistas – ganhou corpo nas ruas. Sinagogas em todo o país foram incendiadas e estabelecimentos comerciais de judeus foram saqueados. Mais de 100 pessoas morreram nesta noite em que os destinos do país mudaram completamente.

Coincidência ou não, outro 9 de novembro marcou o calendário germânico: desta vez, em 1918, quando caia Wilhem II, o último imperador alemão, rei da Prússia. O período que se seguiu – a chamada República de Weimar – marcou os poucos anos de paz experimentados pelo país entre as duas grandes guerras (Hitler começou a demonstrar sua força já em 1923 e a democracia foi perdendo espaço para um regime totalitarista, consolidado 10 anos depois).

Viradas as páginas cheias de marcas de sangue, a Alemanha é hoje o país mais poderoso da Europa e acolhe, com seu jeito meio carrancudo, milhares de estrangeiros, como eu, que por motivos diversos acabam por chamar a “Vaterland” de casa. No entanto, uma olhada para dentro das fronteiras dessa força europeia não revela exatamente uma unidade.

A diversidade cultural é grande. Norte e Sul são completamente diferentes. Um gosta de Grünkohl, o outro não vive sem Sauerkraut. Mas a diferença é ainda maior entre Leste e Oeste. Embora o fim das fronteiras tenha assegurado a todos o direito de ir e vir, não se pode generalizar gostos ou comportamentos. O Oeste é mais caro, mais desenvolvido. No Leste, os sorrisos brotam mais facilmente.

Tive a oportunidade de viver nos dois lados e ainda em Berlin, onde as diferenças estão até hoje nas fachadas e é fácil saber em qual das duas Berlin se está apenas de olhar em volta. Em Weimar, coração verde do país – e onde o muro parece ter caído muito tempo depois – as marcas da DDR ainda são mais fortes: nos conjuntos habitacionais de paredes muito finas, nas roupas que as senhoras ainda usam para trabalhar em casa, nos produtos de marcas muito específicas no supermercado, nas sinaleiras com o Ampelmännchen mas, especialmente no discurso de quem tem saudades do tempo em que se podia comer em um restaurante por apenas um Marco.

* Foto de Sue Ream, originalmente publicada aqui, licenciada pelas normas do Creative Commons

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