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terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Alemanha de A a Z: um guia prático para entender a terra dos castelos, da batata e da cerveja


Um guia prático para entender esse país cheio de regras, peculiaridades e consoantes. Uma coleção de verbetes com experiências, muito achismo e nenhum rigor científico: experiências somadas no cotidiano de um país com uma aura tão indigesta quanto repolho azedo com joelho de porco cozido, mas que se revela um local seguro, prático e até divertido de se viver.

Atenção: a reprodução desse texto ou suas imagens em qualquer outro veículo midiático – incluindo blogs ou sites só é permitida a partir de consulta prévia. Caso queira compartilhar, publique o parágrafo acima e inclua um link para o post original.



Alemanha – O país coleciona ódios e amores na mesma proporção. Bom, não exatamente. A liderança econômica da Alemanha na união europeia coloca o país – e em especial a chanceler Angela Merkel – no centro das críticas pela crise econômica. Não raro a governante é retratada como nazista, embora dentro do país goze de prestígio (demonstrado nas urnas nas últimas eleições). Más línguas dizem que a Alemanha conquistou com a economia e com a criação da EU aquilo que o Nazismo almejava e fracassou. Críticas à parte, é o país de um povo ordeiro e que tenta superar as marcas do passado. Uma economia de índices fortes apesar da crise e um lugar onde se vive com estabilidade e segurança.



Berlin – É capital alemã desde a reunificação, em 1991 (antes era a capital da Alemanha comunista – a DDR e Bonn era da Alemanha “Ocidental”, a BRD) e uma das cidades mais cosmopolitas da Europa. Apesar dos seus 4,4 milhões de habitantes, é um lugar relativamente tranquilo e seguro. O sistema de transporte de Berlin é certamente um dos mais eficientes do mundo – embora quem viva lá não se conforme com os 10 minutos de atraso dos trens que cruzam a região metropolitana. Tem lugares lindos mas, como um todo, não é exatamente o modelo europeu de beleza. Berlin encanta por ser história viva: a guerra, o muro, a divisão das Alemanhas transformam a capital germânica na cidade mais rica em história de todo o país. Imperdível.



Cerveja – A Alemanha pode até não ser o maior consumidor mundial de cerveja (com 143 litros por pessoa a cada ano, tchecos ocupam essa posição, seguidos dos austríacos, com 108). Os alemães estão em terceiro, com a média de 107 litros por pessoa por ano. No Brasil, que ocupa a 17ª posição, são 62. Mas as cervejas produzidas na Alemanha garantem a fama internacional. Existem incontáveis marcas produzidas por 1274 cervejarias registradas. Fora quem faz em casa. Os tipos variam muito, mas para serem chamadas de cerveja, todas devem seguir a lei de pureza na fabricação, a Reinheitsgebot. Somente água, malte, lúpulo e fermento podem ser usados no fabrico. Comparando as cervejas alemãs do tipo Pils com as brasileiras – que são quase sempre dessa categoria – fica fácil diferenciar: as cervejas alemãs são mais “fortes”. Tem um sabor mais marcante de malte e uma variação grande na lupulagem. São servidas um pouco menos geladas que no Brasil para que se possa apreciar o sabor em todas as suas notas.



Domingo – Todo sábado parece que o país está às vésperas de uma guerra, especialmente nos supermercados. No domingo – com raríssimas e recentes exceções nas cidades maiores – NADA abre no país. Não tem mercado, não tem loja, não tem shopping aberto. Padarias fazem plantão em sistema de rodízio, como as farmácias. Cada final de semana é uma que “faz o favor” de abrir em um determinado horário para vender. Mas as portas abertas são por pouco tempo. É melhor planejar o domingo com antecedência, fazer a lista de compras bem completa para não faltar nada.



Educação – O sistema de educação alemão causa estranhamento em quem chega. No final do que seria a quarta série no Brasil, os professores dividem os alunos em três grupos: os mais inteligentes, estudiosos e com boas notas; os intermediários, e os mais “fracos”. Cada grupo segue para uma escola diferente. Os “espertos” vão para o Gymnasium, onde serão preparados para entrar na universidade. Os do meio, passam a frequentar a Real Schule, que acaba mais cedo e conduz, geralmente, a um curso técnico ou a um curso superior do tipo tecnólogo. Já os “burrinhos” são encaminhados para a Hauptschule, onde recebem um ensino elementar e são encaminhados cedo para cursos profissionalizantes em áreas de ocupações menos especializadas: jardineiros, zeladores, padeiros, condutores de ônibus e afins. Isso porquê, na Alemanha, até para assentar tijolos em uma obra é preciso um curso técnico. Geralmente são três anos de preparação para qualquer atividade.



Feiras de Natal – As celebrações de Natal na Alemanha são pura magia. Em todas as cidades são organizados mercados que vendem comidas típicas do inverno e o tradicional vinho quente temperado com especiarias, o Glühwein. O cheiro da bebida se soma com as amêndoas carameladas, a neve e todos os cantos parecem cenário de filme. Sem exagero. É lindo demais. Já o réveillon, Silvester, como se diz aqui, é o oposto disso. Algumas cidades fazem queima de fogos, mas no geral, são apenas as pessoas que levam seus fogos para a beira de um rio, se houver. Alias, os espaços tradicionais são verdadeiras praças de guerra: o cenário é apavorante, com bombas e rojões explodindo por todos os lados. Isso porquê os fogos são proibidos no país o ano inteiro e só podem ser comprados e usados nos dias 31 de dezembro e 1º de janeiro. Ou seja: são 48 horas para dar vazão a todo o fetiche bélico de um país inteiro. Além disso, o frio espanta qualquer ânimo. Pode ser divertido passar na rua, mas é preciso ter um programa para depois, porque meia hora depois da virada a multidão já estourou seus fogos, deixou toneladas de lixo para trás e se dispersou. Abaixo de zero, só mesmo com um bar quentinho pra comemorar!



Geração de energia – A Alemanha vive de energia termoelétrica (do carvão) e nuclear, mas está trabalhando duro em um plano ambicioso: mudar sua matriz até 2020. Muito tem sido feito e já se pode escolher comprar energia de fontes renováveis. Placas solares e turbinas eólicas estão espalhadas no país inteiro e isso não sai barato. No entanto, quem vive aqui aceitou pagar o preço de cuidar do meio ambiente. Além da energia, alemães consideram a separação do lixo quase uma religião. Veja o verbete Lixo.



Hauptbahnhof – Cada cidade tem a sua estação central de trem, que interliga os mais distantes recantos do país. A malha ferroviária alemã é de dar inveja. As conexões são geralmente precisas: é normal ter-se apenas três ou quatro minutos para trocar de um trem para o outro. Por isso qualquer atraso é catastrófico. Mas tem pra quem se queixar e as queixas são ouvidas. Mais de 60 minutos de atraso significa receber dinheiro de volta. Quem vive aqui reclamaconstantemente da Deutsche Bahn, mas quem vem de fora geralmente elogia: os serviços são bastante organizados em comparação a outros países, mas se paga bem mais caro por isso. Um cálculo bom (mas não preciso!) é saber que cada hora de trem custa aproximadamente 10 euros quando os tickets são comprados com antecedência. Se comprar na hora, pode ser o dobro disso. Existem muitas formasde economizar e encontrar tickets mais baratos.



Imigrantes – Estatísticas de 2011 apontam que 19,5% da população total alemã (81,75 milhões de pessoas) é imigrante ou descendente de imigrantes.  Mas em muitas cidades a sensação é de que esses números são bem mais altos. Turcos são a larga maioria. Oficialmente, 1,575 milhão no final de 2012. Mas é preciso levar em conta que as novas gerações – filhos e netos dos turcos que imigraram no pós-guerra para trabalhar na reconstrução do país - já são nascidas na Alemanha e, portanto, alemães. Poloneses aparecem em segundo na lista: 532 mil. São seguidos dos italianos (529 mil), gregos (298 mil), croatas (224 mil) e romenos (205 mil). Brasileiros são muito menos, mas ainda assim 34.945 estão registrados no país. Essa mistura cultural pode ser vista no rosto das pessoas, na lojas de todas as nacionalidades, nos bairros de imigrantes. Mas nem tudo são flores e, mesmo com um passaporte alemão na mão, estrangeiro será para sempre estrangeiro.



Joaninha – Elas são símbolos de boa sorte aqui na Alemanha. Mas se você morar perto de um parque ou tiver um jardim grande, podem bem ser um azar! No final da primavera e começo do verão elas surgem aos milhões e não raro você passeia por um jardim e escuta um barulho “crocante” sob os pés... das joaninhas que vai amassando involuntariamente pelo caminho.



Kirche ou Kirsche – Igreja ou cereja? Alemão é mesmo um idioma complicado. Complicadíssimo. Mark Twain já dizia que "A vida é muito curta para aprender alemão", mas aprender o idioma é a principal chave para a integração. Costumo brincar que a universidade pode ser em inglês, mas a vida real segue sendo em alemão mesmo. Fora isso – e de volta a cereja! – a frutinha toma conta dos mercados no verão e faz o inverno todo ter valido a pena.



Lixo – Separar o lixo é o verdadeiro esporte nacional da Alemanha. E é bom fazer isso direito antes que um vizinho carrancudo apareça na porta pra dizer que você separou isso ou aquilo errado. Existem toneis de coleta de lixo reciclado nas casas ou em algum local próximo. Sempre. Então, o negócio é memorizar a cor dos contêineres: azul é para papel; amarelo para embalagens pequenas e metais; marrom é para lixo orgânico e o preto para o que não se pode reciclar. Vidro é separado por cor: há um contêiner para o transparente, outro para o marrom e outro para o verde. Até hoje não sei o que fazer com garrafas azuis e, por via das dúvidas, deixo de decoração em casa.



Mau humor – Eu não diria que os alemães são necessariamente mau humorados. Prefiro dizer que tem um senso de humor peculiar, diferente do brasileiro. É uma questão de costume. Tem gente que acha que sinceridade é grosseria e por isso acha que todo mundo na Alemanha é mal educado. Eu acho a vida mais simples. Se você recebe um convite e não pode ir, diz que não e pronto. Não promete e depois falta. Essa sinceridade quase em excesso é parte da personalidade do país e ajuda a construir a má fama. Claro que tem momentos em que a paciência some, especialmente naquelas temporadas de chuva, quando para sair na rua é obrigatório vestir uma cara azeda. Mas ai vem o sol... ah, o sol. E o humor muda e a vida segue.



Nazismo – Esse é um tema proibido. Nunca, jamais faça qualquer piada sobre o assunto. Não fale sobre a guerra em uma festa. Os alemães carregam até hoje uma culpa e uma vergonha muito grande pelo Nacional Socialismo e o assunto sempre transforma os humores. A questão é tão tabu que beira a paranoia. Por aqui, ter uma bandeira da Alemanha é algo mal visto: só pode na Copa. Ter orgulho do país ou de ser alemão também são valores que remetem ao fascismo. Os neonazistas só contribuem para entornar ainda mais o caldo.



Ordnung – Esta é a palavra que melhor resume a Alemanha. Para tudo existe uma regra, uma norma, uma lei. Para cada coisa que se queira fazer há um uniforme específico e um manual. Para a vida funcionar é preciso seguir todas as regras. Isso mantém o Ordnung, a ordem, traz estabilidade e faz a vida de todo mundo mais fácil. Bom, esse é o pensamento alemão. Nesses anos de Alemanha acabei aprendendo que o Ordung é, na verdade, o antônimo do jeitinho: se no Brasil sempre se acha uma maneira de contornar a situação e levar vantagem dela, aqui a mesma regra vale para todos e não adianta espernear.



Pontualidade – Chegar atrasado é um crime. E deveria ser no mundo todo! Marcar com alguém e fazer a pessoa esperar é o mesmo que determinar que o seu tempo vale mais do que o tempo da outra pessoa. Tirando a empresa de trens, que já foi muito pontual em outros tempos, todas as coisas seguem o ponteiro à risca. Se for se atrasar mais do cinco minutos, é bom mandar uma mensagem ou ligar avisando. Isso vale para o trabalho, para o compromisso com os amigos, para a universidade. Um amigo disse uma vez que a precisão é tão importante para os alemães que deve ser por isso que eles dizem os números de forma invertida: primeiro a unidade e depois a dezena! Só pode!



Qualidade – Se o orgulho de ser alemão é algo negativo para as pessoas, a relação com os produtos é inversa. Regras de controle de qualidade rígidas e consumidores exigentes deixam poucas queixas em relação a qualquer coisa feita no país. Isso vale até mesmo para os supermercados mais baratos – os discounter, tipo Lidl, Netto, Aldi, Norma. Até os produtos de marca branca, vendidos com exclusividade por determinada rede, tem boa qualidade e podem ser comprados sem medo. São muito mais baratos e não decepcionam em geral. Se tiver dúvida, consulte as etiquetas dos testes de qualidade, que são exibidas com orgulho pelas marca. Gut ou Sehr Gut estampados no fundo branco com o nome dos institutos são a certeza de levar pra casa coisas boas e, na maioria das vezes, sem ter que pagar mais caro por isso.



Religião – Dizem que a antiga Alemanha comunista é o lugar mais sem Deus do mundo. Isso por conta dos índices elevados de ateísmo nos estados que antes formavam a DDR. Mas esse fenômeno, que se repete em menor escala na “outra” Alemanha, tem um componente econômico importante: o imposto descontado direto na folha de pagamento para quem professa uma religião. Os valores variam conforme a renda, em uma conta que não sei definir como é feita. Mas chegam perto dos 100 Euros por mês pra quem ganha entre mil e dois mil. Por isso muita gente que pede benção pra avó se declara ateia na Alemanha. Quem paga justifica que o valor é usado para a conservação das igrejas que são verdadeiros museus e que financia muitas ações de caridade e mesmo bolsas estudantis oferecidas pelas organizações religiosas. Quem declarou e se arrepende depois da chegada do primeiro contracheque precisa ir a prefeitura e fazer uma papelada enorme em que “renuncia a fé”.



Salsicha – Existem estimados mil e quinhentos tipos de salsichas na Alemanha e, claro, eu devo conhecer uns 40, chutando alto. Cada cidade tem sua especialidade, seu jeito de preparar, sua receita secreta. Basicamente é assim: tira a tripa de dentro do porco e coloca o porco moído e temperado dentro da tripa. Duas salsichas, no entanto, são facilmente encontradas no país todo. A Bratwurst da Turíngia, que tem entre 30 e 40 cm, uns 3cm de diâmetro e é servida assada em um pão minúsculo com mostarda. A outra é a Currywurst, o prato típico de Berlin. A tenda do Curry 36, que fica na capital, é considerada por muitos a melhor, mas é possível achar boas opções na Alemanha inteira. Lembra (bem de longe!) a salsicha de cachorro-quente do Brasil, assada na grelha, cortada em rodelas e servida com um catchup temperado e curry em pó no topo. A descrição pode não ser convidativa, mas uma visita ao país não está completa sem provar a iguaria.



Teimosia – A minha cidade, Blumenau, em Santa Catarina, foi fundada por alemães e ainda abriga muitos descendentes. Por lá a gente usa um ditado mais ou menos assim: “Alemão não é teimoso. Teimoso é quem tenta discutir com alemão”. Bom, de algum lugar isso saiu. Eu já cai na besteira de discutir ou tentar argumentar algumas vezes por aqui e, depois de alguns anos de sofrimento, fica a dica: nem comece.



Universidade – A Alemanha tem internacionalizado suas universidades cada vez mais. Depois do tratado de Bolonha, especialmente. Com o fim dos cursos superiores chamados de Diplom (mais extensos que um bacharelado no Brasil e já com a equivalência do título de mestrado), passaram a pipocar mestrados internacionais no país. Ou seja: cursos em inglês gratuitos em todas as áreas, embora os bacharelados sejam em alemão (com raríssimas exceções). O ensino superior na Alemnha é gratuito. São poucas as faculdades privadas e é possível escapar delas com boas opções públicas. O que se paga por aqui é uma taxa de matrícula semestral – entre 150 e 300 euros, conforme a cidade – que já inclui o ticket para o transporte local. Então, para quem planeja arriscar um voo solo no exterior para uma especialização, a Alemanha é o caminho mais fácil, já que não é preciso entrar na briga por bolsas de estudo.



Verão – Dias que amanhecem as 3h30 e anoitecem depois das 22h. O mês mais aguardado do ano, sem dúvidas. Sim, o mês: porque o verão por aqui não é exatamente uma estação inteira. Sair de casa com os braços de fora e nem pensar em levar um casaquinho (mesmo que leve) é raridade. E nesses dias de “raridade”, os 30 graus parecem ser 40. As casas, as cidades, os transportes: nada épreparado para o calor. Em alguns Estados, quando os termômetros passam dos 30 graus as aulas são canceladas. Mas nem todo mundo tem a mesma sorte. Para quem trabalha, o jeito é driblar a massa quente com ventiladores e esperar. A única certeza é que o calor dura muito pouco.



Xenofobia – Esse é um assunto sério no país. A xenofobia existe sim e é um problema grave. E não é apenas contra um grupo étnico distinto: é contra todo mundo que não é alemão. Antes que eu seja execrada, quero dizer que sim, existe uma grande maioria de alemães que convive perfeitamente com um país internacionalizado. Mas se você é estrangeiro, mesmo que fale a língua e seja loiro e de olhos azuis vai enfrentar problemas (em maior ou menor escala) em algum momento. Isso vale para empregos, para amigos, para a simpatia no atendimento, para resolver os problemas. Mas vale muito na hora de alugar casa: como estrangeiro, mesmo tendo emprego, grana e afins, é sempre mais difícil conseguir um apartamento. Uma vez que os imóveis aqui não são de quem chega primeiro – ocorre sempre um tipo de entrevista e todo mundo vai arrumado ver casa – os alemães acabam sempre tendo a preferência.



Zelador – O zelador do prédio será o seu melhor amigo aqui na Alemanha. É quem arruma a torneira com vazamento, o chuveiro que tem cal (sim, porque a água é muito alcalina e vai entupindo tudo com o tempo). Se você morar em um condomínio estudantil, esses serviços costumam estar incluídos. Se não, leia com atenção o contrato. Tive um problema sério com isso. Apareceu uma mancha de mofo na minha parede na época em que vivia em Berlin em um apartamento térreo – e isso é uma coisa séria e que precisa ser resolvida o quanto antes – e a administradora do prédio disse que o zelador passaria lá para resolver. Eu disse que não precisava, que eu mesma faria. Já tinha aprendido com o zelador do prédio anterior que a única coisa que resolve esse problema é um spray anti mofo que vende nas lojas de material de construção, para uso profissional. Os do mercado não valem nada. Enfim: o homem foi lá, jogou o spray, esperou três minutos, secou com um pano e foi embora em menos de dez minutos. Veio a conta: 65 euros.



... – Essa é a primeira “amostra grátis” do Alemanha de A a Z. A ideia é continuar escrevendo sobre os mais diferentes aspectos do país. Por isso, se gostou, comente. Se não gostou, comente também. Sugestões de novos verbetes são sempre bem vindas. É só deixar um recado.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Reconhecendo neonazistas: a ferida aberta na Alemanha moderna e as situações de perigo que podem ser evitadas

Dresden: visto da prefeitura, o centro da cidade que ficou 90% destruído*

Se Nazismo é um assunto tabu na Alemanha, neonazismo é um que precisa ser tratado. Em especial nas cidades da ex-Alemanha Oriental, mas não exclusivamente nelas. As manifestações que fazem referência ao Nacional Socialismo de Hitler são quase todas proibidas. Mas os novos adeptos dos movimentos de ultra direita não fazem exatamente questão de se esconder.

É só olhar para o polêmico Partido Nacional Democrata Alemão (NPD), que é radicalmente contra todo e qualquer não-alemão, entre outras causas. Os nacionais democratas fizeram uma série de barbaridades nas últimas eleições: mandaram camisinhas para estrangeiros e passagens de volta pra casa para candidatos com background multicultural. Há quem defenda a existência do partido: afinal, assim, os neonazistas são mais facilmente identificáveis. Eu tenho lá minhas dúvidas: acho que dar espaço e palanque para qualquer tipo de plataforma que pregue ódio e intolerância não faz muito sentido.

Outro exemplo é Dresden, a bela capital da Saxônia, que é anualmente palco de um confronto entre os militantes de extrema-direita e as pessoas que lutam por uma Alemanha mais justa. Cerca de cinco mil manifestantes viajam do país inteiro para uma marcha que lembra o bombardeio da cidade, em 13 de fevereiro de 1945, após a rendição da Alemanha. O desnecessário despejo de bombas matou 25 mil pessoas, conforme relatos oficiais da prefeitura, embora grupos ativistas apontem para meio milhão de mortos, em sua maioria mulheres e crianças. Números a parte, vale dizer que os neonazistas ocupam a cidade com sua lista de reivindicações supremacistas.

Em grupos, esses militantes de extrema direita são mais perigosos. Recentemente, atacaram um hostel onde estavam hospedados estudantes e feriram gravemente um menino descendente de chineses. Um caso de maior proporção chocou a Alemanha, com a descoberta de um trio de matadores que assassinou imigrantes em todo o país. Mas nem todos os casos de violência chegam a mídia e estudantes estrangeiros colecionam histórias que são passadas a cada nova leva de calouros que chegam as principais cidades universitárias.

Experiências difíceis

Amigos meus não saem das festas andando em Leipzig: preferem ir de bicicleta para não dar chance ao azar em uma eventual topada com neonazis no caminho. Em Weimar, estudantes latinos foram espancados na saída de um bar há alguns anos. Eu mesma já passei por uma situação ruim, embora sem maiores danos. Acompanhada do meu marido, ao atender o telefone em inglês, dentro de um ônibus, uma pessoa de uns 40 e alguns anos começou a nos agredir verbalmente, nos mandando voltar para os Estados Unidos. Ok: errou feio, mas isso não muda o motivo. Na hora, levei uns minutos pra perceber que era conosco. Fiquei tão chocada com a ação que só consegui berrar uns palavrões e fazer um gesto feio com a mão. Ninguém em volta fez ou falou qualquer coisa.

Já me perguntaram se é a Alemanha é realmente perigosa para estrangeiros. No geral, acho que não. Casos isolados não podem comprometer o esforço de um país inteiro em mudar sua imagem e fazer o mea culpa de um período de horrores. Mas é melhor ficar de olho e, caso cruzar com alguém assim na rua, manter a devida distância para evitar confusão. Claro que não se pode generalizar estilo e aparência, mas se as duas coisas vieram somadas, vale a pena sair de perto.

Como reconhecer os neonazistas

Coturnos pesados, jeans e camisetas pretas (ou às vezes brancas) são o uniforme. Muitos são carecas – mas nem todos os carecas são nazis: alemães ficam calvos cedo e você vai ver muitas cabeças raspadas aqui por uma questão de estilo. Abrigos brancos com capuz e escritas góticas em preto (e vice-versa) são outro sinal. Bótons ou camisetas de times cujas torcidas conhecidamente abrigam esse tipo de gente são motivo para alerta. Esta semana, no trem, vinha um careca 4x4 com uma pochete na cintura escrito em letras garrafais: ULTRAS. É pra não deixar dúvidas.

Neonazis também são fãs da marca Lonsdale, embora a própria fábrica em si tenha apoiado campanhas anti-racismo. Isso porque as letras do meio formam NSDA, a sigla do antigo Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, a legenda de Hitler. Algumas escolas chegaram a banir a etiqueta. Mas nenhuma marca é uma ostentação mais clara de uma postura neonazista do que a Thor Stainar. Curiosamente, o mapa de maior incidência de vendas e encomendas da loja on-line da marca coincide com o mapa da antiga DDR. Roupas da grife são expressamente proibidas no parlamento alemão e em alguns estados do país. Apesar disso, a marca abriu uma loja exclusiva em Chemnitz (parte da ex-DDR, claro!) chamada Brevik. O nome da loja tem apenas uma letra a menos do que o sobrenome do atirador neonazista norueguês, Anders Behring Breivik, que matou 77 pessoas em julho de 2011.

14/88 e outras saudações 

Além de suásticas pelos muros, saudações e pichações nazistas também aparecem disfarçadas. O número 88 é uma dessas expressões. Significa duas vezes a letra H, em uma referência a saudação nazista Heil Hitler. O número também costuma aparecer combinado com o 14, que é uma referência a uma frase originalmente de 14 palavras inspirada no livro Mein Kampf (Minha Luta), de Hitler:  "We must secure the existence of our people and a future for White Children" ("Devemos assegurar a exitência de nosso povo e um futuro para as Crianças Brancas"). Existem outras indicações, claro.

Sempre que falo sobre esse assunto, lembro do filme Die Welle – que não tem nada a ver com a Deutsche Welle!!!. Recomendo sempre. Vale para entender o processo de mobilização de movimentos que aparentemente parecem inofensivos ou sem sentido. Ah, e pra fechar, depois de tanto falar dos estereótipos, só não vale confundir punks com nazistas. No meio das jaquetas pretas com símbolos anárquicos não é difícil encontrar uma suástica: mas cruzada! Eles são contra a extrema direita e fazem questão de deixar isso bem claro.

* Foto de Peter Pöppelmann, publicada aqui, licenciada de acordo com as normas do Creative Commons.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Deutsche Bahn e o humor alemão: nada como rir da própria desgraça

Avisos: em quase todas as viagens o painel anuncia atrasos ou mudanças

Eu lembro de uma piadinha feita pelo personagem Sheldon Cooper, do brilhante Jim Parsons em The Big Bang Theory (TBBT, para os íntimos), dizendo que o intestino dele funciona de forma tão pontual quanto os trens na Alemanha. Bom, a essa altura o Dr. Cooper deve estar com prisão de ventre!

Os trens da Alemanha estão longe da pontualidade tão propagandeada. Os atrasos podem até mesmo render estorno para quem ficou horas plantado em alguma estação, como contei nesse post aqui. O que eu nunca tinha imaginado é que as aventuras de quem precisa usar a Deutsche Bahn com frequência (o/), me fariam rir tanto como hoje!

Foi na última aula de um curso intensivo de alemão, nesta sexta-feira, que a professora chegou com uma pérola! A banda – ou o grupo de cantores, melhor dizendo – se chama Wise Guys. As músicas são quase todas capelas e as letras são umas melhores que as outras. O grupo ironiza a influência do inglês sobre o alemão, faz piada da vida cotidiana por aqui. Mas a letra da faixa Deutsche Bahn não podia ser melhor.

Além dos atrasos, avisos que frequentemente chateiam os usuários viraram piada. Mais ou menos assim: Hoje a ordem dos vagões está invertida (Bora sair todo mundo correndo de um lado para outro do trem para achar o lugar marcado – que custou 4 euros a mais que a passagem normal, diga-se de passagem!). Fique atento para a mudança de portão: hoje o trem partirá da plataforma oposta (repete a cena anterior!). 

Uma vez dentro do trem, segue a aventura. Banheiro com defeito! Essa é frequente e pode ser bem complicada. Já fiz uma viagem de cinco horas em um trem lotado, mas lotado a ponto de não dar pra andar pelos corredores e espaços entre os vagões, em que apenas dois banheiros estavam funcionando. E imagina o estado deles. E fora a temperatura dos vagões: no inverno, ou é quente demais ou de menos. No verão, raramente o ar condicionado não dá conta do recado e as janelas são lacradas. Já teve caso de as pessoas passarem mal e começarem a desmaiar do calor.

Mas como pimenta nos olhos dos outros é refresco, enquanto não chega o dia de viajar de novo, o negócio é rir.  E pra fechar com gargalhada, o toque final: a frase em inglês que encerra o refrão escrita assim, com o sotaque típico alemão! “Thänk ju vor träffeling wis Deutsche Bahn!“



Transcrevo aqui a música. Em alemão é mais divertida porque usa exatamente o mesmo vocabulário que a companhia de trem. Se ficou difícil, para tudo nesta vida existe GoogleTranslator!

Deutsche Bahn

Meine Damen und Herrn, der ICE nach Frankfurt-Main
Fährt abweichend am Bahnsteig gegenüber ein.
Die Abfahrt dieses Zuges war 14 Uhr 2,
Obwohl das war sie nicht, denn es ist ja schon halb 3.
Bei uns läuft leider oft das meißte anders als man denkt
Wir haben die Waggons heute falschrum angehängt.
Die Wagenreihung ist genau das Gegenteil vom Plan
Thänk ju vor träffeling wis Deutsche Bahn!

Meine Damen und Herrn, der Zugchef, der hier spricht
Ganz normal zu sprechen, beherrsch ich leider nicht.
Trotzdem kriegen Sie den Service, den man von uns kennt:
Erst deutsch und dann auf Englisch, mit heftigem Akzent.
Jetzt möchte ich nicht ohne meinen Ekel zu verheelen
Ihnen das Angebot aus unserm Bordbistro empfehlen:
Leberkäse und Softdrink, für 7 Euro 10
Vorher ganz viel Spaß beim in der Schlange stehn.

Refrão:

Meine Damen, meine Herren, danke, dass sie mit uns reisen
Zu abgefahrnen Preisen, auf abgfahrnen Gleisen.
Für ihre Leidensfähigkeit danken wir spontan
Thänk ju vor träffeling wis Deutsche Bahn!

Meine Damen und Herrn, dass es grad nicht weitergeht
Liegt an einer Kuh die auf den Schienen steht.
Aber bitte, bitte behalten Sie uns lieb
Wir waren einfach viel zu lang ein Staatsbetrieb!
Sollten sie im Lauf' der Fahrt mal das WC benutzen
Würden wir empfehl'n, dass Sie das vorher selber putzen
Verwenden Sie am besten eine Flasche Sakrotan
Thänk ju vor träffeling wis Deutsche Bahn!

Refrão

Meine Damen und Herrn, weil sie meistens keiner ckeckt
Sind bei uns ständig alle Heizungen defekt.
Ansonsten stehn für sie Klimaanlagen parat,
Doch die funktionieren nur bis 32 Grad.
Wir ham 'ne Theorie, doch es fehlt noch der Beweis
Im Winter wird es kalt und im Sommer wird es heiß
Erleben Sie bei uns Kälteschock und Fieberwahn
Thänk ju vor träffeling wis Deutsche Bahn!

Refrão

Ps.: Eu procurei o vídeo do TBBT com o Sheldon falando dos trens e não achei. Então fica aqui como “amostra grátis” o físico mais engraçado do mundo falando em alemão:


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